Esta morte é a nossa vergonha colectiva
Não se esqueçam deste nome: Ihor Homenyuk. A existência de qualquer espécie de Abu Ghraib em solo português envergonha o Estado e cada um de nós.
O relatório da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) sobre as circunstâncias da morte de Ihor Homenyuk, nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, deveria ser divulgado publicamente. Nem a circunspecta IGAI se conteve perante as causas desta morte tão aberrante.
O relatório refere que houve uma acção concertada para encobrir o que aconteceu, com o objectivo de impedir o apuramento de responsabilidades criminais, e que todos os registos do SEF sobre este caso foram elaborados após a morte de Homenyuk. O que aconteceu naquele centro de instalação temporária (CIT) foi um crime com requintes de tortura, que só é do conhecimento público devido ao profissionalismo e ética de um médico legista que não embarcou na tese da morte natural.
As agressões brutais, a ausência da devida assistência, a recusa em permitir a satisfação das necessidades mais básicas do detido e a forma como foi fatalmente manietado foram praticadas com a conivência de um grupo alargado de inspectores, seguranças e enfermeiros que desonram o papel do Estado.
Quem mais do que Cristina Gatões, directora do SEF, poderia estar empenhada em denunciar o que se passou e em impedir que isso se repita? O seu estrondoso silêncio é censurável. Cristina Gatões deveria ser a primeira a condenar os abusos e maus tratos nos serviços do Estado de que é responsável (aos quais a IGAI atribui várias irregularidades).
Um relatório de Junho da Provedoria da Justiça, já após este caso, referia que os centros de instalação temporária do SEF, ou outros espaços equiparados ao CIT, “são locais onde persistem vários factores de risco para a ocorrência de tortura e maus tratos” — uma espécie de limbo legal onde há quem permaneça mais de dois meses, quando não deveria passar mais de 48 horas. A negligência e a omissão concertada de que deram provas os envolvidos permitem duvidar de que o que aconteceu foi uma excepção.
Ninguém se escandalizaria se a IGAI e a Provedoria de Justiça, que periodicamente inspecciona os locais com pessoas detidas, aumentassem a fiscalização destes serviços do Estado, de modo a assegurar o cumprimento da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Degradantes ou Desumanos da ONU, e que divulgassem os respectivos relatórios. A desconfiança é legítima. A existência de qualquer espécie de Abu Ghraib em solo português envergonha o Estado e cada um de nós.