A União Europeia no combate à desflorestação
Seria bom que o Parlamento Europeu, na justificada preocupação face à desflorestação, revisse as suas decisões de estímulo à queima de madeira para a produção de electricidade.
O Parlamento Europeu apelou este mês à Comissão Europeia para propor legislação que assegure que o consumo da União Europeia não conduz à desflorestação global. Actualmente, não existe legislação que proíba a venda no mercado europeu de produtos que contribuam para a destruição das florestas. Mas, para além de produtos alimentares, há ainda a considerar a importação e o uso da madeira.
Combater a desflorestação é sinónimo de deixar de cortar árvores, mesmo em florestas nativas?
Não! De acordo com a definição vigente de floresta, da FAO (Organização para a Agricultura e Alimentação das Nações Unidas), utilizada na União Europeia, no limite pode-se cortar uma floresta de carvalhos e instalar uma plantação de eucalipto, sem que tal signifique desflorestação. No caso, não se considera que houve uma alteração da ocupação do solo. Considera-se que ocorreu desflorestação quando essa ocupação altera para uso urbano ou para agricultura, mesmo que se instale uma cultura arbórea, como um olival ou um amendoal, para obtenção de fruto.
Em todo o caso, vamos continuar a cortar árvores. Em moldes científicos e técnicos adequados, o uso de madeira tem vantagens face a outros materiais, como o plástico ou o cimento, altamente poluentes, ou os metais, com os danos da extracção mineira associada.
Em termos de emissões de gases de efeito estufa, elas serão mais reduzidas quanto maior for a longevidade dos produtos fabricados a partir da madeira. O carbono sequestrado nas árvores será mais rapidamente libertado quando associado ao uso de papel ou péletes energéticas. Por outro lado, será libertado a médio e longo prazo com a utilização preferencial da madeira em construção ou em mobiliário. A velocidade da libertação do carbono deve ser balanceado com a capacidade, mais ou menos lenta, de novo sequestro pelo crescimento das árvores.
Combater a desflorestação também é sinónimo de combate à perda de coberto arbóreo, de cobertura do solo por copas?
Não! Se depois de um corte raso de uma floresta centenária se semear ou plantar espécies florestais, mesmo que exóticas, de acordo com a definição vigente de floresta, não ocorre desflorestação. Todavia, perde-se coberto arbóreo. Ou, por outras palavras, combater a desflorestação não é sinónimo de combate à perda de biodiversidade, associada esta que está às copas, aos troncos e aos sistemas radiculares das árvores, bem como à sua expressão territorial. E como dependemos da preservação e conservação da biodiversidade!
O combate à desflorestação também pode não ser sinónimo de combate à erosão do solo ou à perda de capacidade de armazenamento de água doce. Dependerá do modelo de silvicultura empregue. Áreas sujeitas a cortes rasos, mesmo que depois sejam semeados ou plantados, expõem o solo ao risco de erosão e estão associados a perda de recursos hídricos. No caso português, estas situações assumem especial importância, face ao incontido avanço da desertificação.
Não deixa, pelo exposto, de se considerar curiosa esta decisão do Parlamento Europeu, quando, por outro lado, aprovou a intensificação do uso de madeira para fins energéticos. Decisão essa, muito contestada e que está hoje na base de elevada perda de coberto arbóreo, mesmo em florestas centenárias, nos Estados Unidos, no Canadá, na Rússia e no Brasil, entre outros. É difícil estimar quanto dessa perda se transformará em desflorestação. Haja ou não desflorestação, a perda de biodiversidade é facto adquirido.
Não deixa, pois, de ser curiosa esta decisão dos eurodeputados no combate à desflorestação, quando este risco pode ser estimulado através de forte financiamento público à bioenergia. Sim, o abate de árvores em extensas áreas de floresta, para triturar madeira, peletizar e transportar para a União Europeia, para queimar e produzir electricidade, só é possível com o generoso apoio dos contribuintes europeus. Estarão estes a contribuir para o aumento da desflorestação? E, se o risco é evidente além fronteiras da União, também o é dentro, incluindo em áreas destinadas à conservação da natureza, como as que integram a Rede Natura 2000.
Não deixa de ser curioso constatar este paradoxo. Seria bom que o Parlamento Europeu, na justificada preocupação face à desflorestação, revisse as suas decisões de estímulo à queima de madeira para a produção de electricidade.