Com nove anos de atraso, Berlim abre finalmente o seu novo-velho aeroporto
Trinta anos depois de iniciado o projecto, de sucessivos de erros de engenharia e processos judiciais, o aeroporto que pôs em causa a eficiência alemã começa a receber voos. Berlim-Brandeburgo (BER) abre portas a 31 de Outubro – sem festa de inauguração. Dentro de dias, fecha de vez o aeroporto de Tegel.
Trinta anos depois de traçados os primeiros esboços, nove anos depois da data inicialmente prevista de inauguração, de um rol de erros de engenharia, escândalos de corrupção e processos judiciais, e um orçamento ultrapassado em quase 4 mil milhões de euros, o aeroporto de Berlim-Brandeburgo (BER) vai finalmente abrir portas – numa altura em que, devido à pandemia, são tão poucos os aviões nos céus que um dos novos terminais chega para abarcar todo o serviço. Até a data escolhida parece sugestiva mas de dupla leitura: se, por um lado, 31 de Outubro é um feriado que celebra o Dia da Reforma Protestante iniciada por Lutero, por outro, é dia de Halloween.
O tão aguardado, polémico e embaraçoso aeroporto, baptizado Willy Brandt em homenagem ao antigo chanceler, abre portas – mas não haverá festas nem cerimónias de inauguração. Não por precaução, face a uma segunda vaga de covid-19 particularmente dura para toda a Europa, mas por embaraço. “Nós, engenheiros alemães, estamos mortificados”, confessa ao New York Times o director executivo do aeroporto, Engelbert Lütke Daldrup. Talvez o maior incentivo para a abertura, conta, é que o BER deixe mesmo de ser “motivo de chacota”. “A Alemanha é conhecida pela sua competência em engenharia. Consideramo-nos pontuais, eficientes e competentes. Isto foi confrangedor para Berlim e para a Alemanha como um todo.”
É difícil não apontar Berlim-Brandeburgo como um dos maiores falhanços de planeamento e execução de uma grande infra-estrutura no país e, por isso, tornou-se uma nódoa difícil de apagar, uma anedota. A sucessão de problemas é digna de uma novela.
Os primeiros planos começaram a ser gizados há 30 anos. O Muro de Berlim acabava de ser derrubado e a construção de um novíssimo e moderníssimo aeroporto tornava-se um desejado símbolo da reunificação alemã – até hoje, mantinham-se em funcionamento os dois principais aeroportos construídos na Alemanha dividida, Schönefeld, o principal aeroporto da Alemanha Oriental, e Tegel, construído pelas tropas francesas na Berlim Ocidental.
Decidir a localização demorou cinco anos e a opção escolhida, junto a Schönefeld, próximo de uma área densamente povoada, levou à instauração de processos judiciais pelos moradores da região devido ao ruído. Para o minimizar, conta o New York Times, os pilotos que levantarem voo da pista sul têm de fazer uma curva complexa de 145 graus durante a descolagem, descrita como “exigente” pela associação nacional de controlo de tráfego aéreo e apelidada de “curva do vómito” pelos pilotos.
A partir daí, os percalços foram-se acumulando. Os alicerces do edifício já estavam lançados quando se soube que o arquitecto, Meinhard von Gerkan, não tinha planeado uma área de duty free e foi necessário adaptar o projecto à pressa. Atrasos na construção levaram ao adiamento da primeira data prevista de inauguração, em Outubro de 2011. Seis datas se seguiram e seis adiamentos. Em 2012, já com lojas e restaurantes preparados e rotas de companhias aéreas reajustadas para o novo aeroporto (caso da TAP), festa marcada com a chanceler, Angela Merkel, e 10 mil convidados, foi tudo cancelado ao terem sido detectados problemas no sistema de incêndio: não funcionavam diversas portas corta-fogo, alarmes e extractores de fumo.
Mais tarde, haveriam de descobrir que tinham sido instalados cerca de 90 quilómetros de cabos defeituosos, que não havia balcões de check-in suficientes, que as escadas rolantes encomendadas eram curtas de mais, que o sistema de arrefecimento não era adequado ou que o telhado era duas vezes mais pesado do que o autorizado. Já em 2018, foi anunciado que os 750 ecrãs que deveriam informar sobre as partidas e chegadas tinham permanecido ligados todos estes anos e que tinham chegado ao fim da sua vida útil.
Em 2014, o desaire do aeroporto terá sido o principal motivo que levou à demissão de Klaus Wowereit, depois de 13 anos à frente da câmara e do governo da cidade-estado de Berlim. O político que cunhou o slogan da Berlim “pobre mas sexy” e que fez história ao assumir a sua homossexualidade na campanha de 2001, tinha-se demitido da presidência da sociedade encarregada pelo aeroporto, mas o fiasco era já tão grande que acabou por aniquilar as ambições políticas daquele que tinha chegado a ser visto como potencial candidato a chanceler.
De acordo com as previsões iniciais, o aeroporto deveria custar cerca de 2,8 mil milhões de euros. Em 2016, a factura chegava perto dos 7 mil milhões. E, recorda o New York Times, mesmo encerrado, a manutenção custa milhões de euros todos os meses. Paga-se a funcionários para descarregar o autoclismo em todas as sanitas do aeroporto para manter o sistema de esgoto em bom funcionamento. À noite, carruagens vazias circulam pelos túneis de ligação entre terminais para impedir que o mofo e a ferrugem se instalem.
Quando abrir portas, o novo aeroporto será já um velho aeroporto, com um design algo vintage e novas tecnologias adicionadas à última hora, como balcões de auto-check-in ou estações de carregamento de smartphones que, à época em que o aeroporto foi desenhado, ainda eram objectos de ficção científica.
Em 2018, temia-se que a capacidade do aeroporto – mais de 40 milhões de passageiros por ano, se contabilizarmos os dois novos terminais e a adaptação de Schönefeld – não fosse suficiente a longo prazo. Hoje nasce no seio de uma pandemia que virou o mundo do avesso e deixou a indústria da aviação (das viagens e do turismo) em tumulto.
No domingo passado, o aeroporto de Schönefeld, aberto em 1946 como principal pista aérea da Alemanha Oriental, tornou-se parte integrante do novo aeroporto. É agora o terminal 5 de Berlim-Brandeburgo (BER). Já Tegel, construído pelos militares franceses em 1948, amada por muitos devido à localização privilegiada, e para outros símbolo de liberdade na Berlim dividida, vê o último avião descolar da icónica pista a 8 de Novembro.