Tribunal condena homem a 22 anos de prisão por homicídio qualificado e violência doméstica
Ministério Público tinha também pedido a condenação do homem pelo crime de violência doméstica contra o filho menor que assistiu durante anos ao escalar das agressões contra mãe, mas o arguido foi absolvido deste crime.
Um homem de 44 anos, pintor da construção civil, desempregado, foi condenado, no dia 22 de Outubro, pelo Juízo Central Criminal de Lisboa a uma pena única de 22 anos de prisão por homicídio qualificado e violência doméstica contra a companheira. A mulher foi espancada e asfixiada até à morte na manhã do dia 13 de Junho de 2019, na residência do casal.
Apesar de o Ministério Público ter pedido a condenação por violência doméstica contra o filho menor, sobretudo por este ter assistido ao escalar das agressões físicas e verbais levadas a cabo pelo pai contra a mãe durante vários anos, o Tribunal decidiu absolver o arguido deste crime, porque não “se vislumbra a mínima conduta ofensiva que o arguido tivesse perpetrado directamente contra o seu filho”.
De acordo com a sentença, o colectivo de juízes concluiu: “É certo que o seu filho, por vezes, assistiu às condutas delituosas ofensivas, físicas e psíquicas, cometidas pelo arguido contra a sua companheira, mãe do menor. No entanto, este circunstancialismo remete-nos directamente para a agravação a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 152º do C.P., e não tem a virtualidade de se erigir como crime autónomo de violência doméstica. Assim sendo, pela não verificação dos respectivos pressupostos, o arguido deve ser absolvido da prática do crime de violência doméstica em análise no tocante ao seu filho.”
Este crime decorreu num quadro de grande violência. Tanto que o Tribunal deu como provado que “ao longo dos anos de 2016 a 2019, por várias vezes, o arguido discutia com a ofendida e dirigindo-se à mesma dizia “és uma vaca, brochista, só queres é pretos, tens relações sexuais com os pretos nas escadas do prédio”, enquanto lhe desferia pancadas com as mãos abertas pelo corpo, sobretudo nos braços e tronco, chapadas na face e pontapés nas pernas daquela”.
Viveram juntos 18 anos e as agressões terão começado em 2016. A mulher chegou a fazer queixa contra o companheiro em 2017. No mês de Abril desse ano, foi acolhida com o filho numa casa abrigo, todavia, regressaram à residência onde viviam com o homem em meados de Maio de 2017. O homem acabou por beneficiar da suspensão provisória do processo.
Mas a violência continuou. Até que entre Maio e Junho de 2019, a mulher esteve internada por questões psicológicas. Mal teve alta, a 6 de Junho, o grau de violência aumentou.
O arguido confessou parte dos factos sobre o que se passou no dia do homicídio. “Na verdade, a propósito, explicou que passou a manhã a dormir e, quando acordou, a ofendida começou a discutir consigo, ela já tinha uma faca debaixo da almofada, e deu-lhe uma chapada na face. Na sequência desta agressão, como referiu, ela (ofendida) começou a sangrar do nariz, altura em que o seu filho se aproximou e gastou um rolo de papel higiénico a tentar parar o sangue”, refere a sentença, sublinhando que o filho, que prestou depoimento para memória futura, disse que, quando acordou o pai estava a insultar a mãe.
Viu-os depois na sala, onde o pai estava a agredir fisicamente a mãe, que com a violência das chapadas começou a sangrar. “Era muito sangue, até porque gastaram um rolo de papel higiénico a limpar, com ela sentada no sofá, ficando sangue no sofá”, está descrito na sentença. O menor contou que o pai pediu-lhe entretanto que fosse às compras e que quando voltou a mãe já não estava viva.
O colectivo de juízes concluiu que “após o filho de ambos se ter ausentado do interior da habitação, o arguido continuou a desferir pancadas com as mãos no rosto, cabeça e restantes partes do corpo, e agarrou com as mãos o pescoço da ofendida, apertando-o, só libertando quando esta deixou de resistir e caiu prostrada, daí resultando lesões físicas, na cabeça e no pescoço (asfixia) que tiveram por consequência directa a morte da vítima”.
O arguido negou que tivesse espancado e asfixiado a mulher, mas o relatório da autópsia não deixou dúvidas quanto à violência que esta sofreu dias antes (tinha lesões antigas) e no dia da morte. A conclusão foi essa mesmo: a mulher teve uma morte violenta. O tribunal valorizou vários testemunhos que permitiram concluir pela violência do crime praticado.
Uma dessa testemunhas foi uma inspectora da Polícia Judiciária que participou na inspecção ao local dos factos e que foi clara quando descreveu o local, afirmando que “havia projecções hemáticas nas paredes, no chão, no sofá, e na mesa que indiciavam ser recentes, de horas eventualmente, porque tinham um vermelho mais vivo; e outras, de vários dias”. Mais explicou que a “vítima tinha imensas escoriações e hematomas, com várias tonalidades, basicamente pelo corpo todo, o que indiciava agressões de vários dias.”
De acordo com o colectivo de juízes, o “arguido exibiu uma personalidade com traços imaturos – e nesse sentido pouco adaptativos - , com impulsividade, baixa tolerância à frustração, tristeza com sentimentos de revolta e de ser injustiçado, padrão pervasivo de irresponsabilidade e dificuldade em honrar os seus compromissos, inclusivamente, laborais, externalização da culpa e locus de controlo externos (atribuição da responsabilidade pelas suas acções e omissões, falhas e insucesso, a terceiros) e egocentrismo com incapacidade em mentalizar sobre o estado mental do outro”.
O homem também revelou uma ausência de responsabilização para a sua conduta e de qualquer arrependimento quanto aos crimes praticados.
Por tudo o que foi dado como provado entendeu o Tribunal condenar o arguido a quatro anos por um crime de violência doméstica e 24 anos por homicídio qualificado, o que depois resultou num cumulo jurídico de 22 anos de prisão.
Na sentença, o colectivo refere a necessidade de “prevenção geral que há que colocar definitivamente termo a um dos principais flagelos da sociedade portuguesa, designadamente, aos maus tractos físicos e psicológicos, flagelo este que, em pleno século XXI continua a ser transversal na nossa sociedade, sem que se perspective qualquer atenuação, apesar da progressiva chamada de atenção da educação, da sociedade civil, do Estado e dos meios de comunicação social para a gravidade de tais comportamentos e para a desagregação manifesta que provoca nos agregados familiares, bem como para as consequências nefastas que provoca no desenvolvimento da pessoa humana, o atentado que potencia à dignidade da pessoa e as consequências decorrentes para o corpo e a saúde (física e psicológica) das vítimas”.
No fim o Tribunal também decidiu que a vitima, na pessoa do filho como beneficiário por causa da sua morte, devia ser indemnizada pelo arguido em 130 mil euros.