Alegado jihadista nega envolvimento com Daesh, mas não consegue explicar telefonemas comprometedores com o irmão

Cassimo Turé assumiu que o irmão, Sadjo Turé, lhe deu um livro no dia em que foi detido em Inglaterra e que, a seu pedido, foi buscar um homem ao aeroporto de Lisboa — mas nega pertencer a uma organização terrorista. Advogado de defesa diz que o seu cliente só é arguido porque o irmão estava a ser investigado no Reino Unido.

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Alegações finais do julgamento de Rómulo Costa e de Cassimo Turé marcadas para próximo nove de Novembro. Pedro Cunha

Cassimo Turé — que está a ser julgado, juntamente com Rómulo Costa por, alegadamente, fazer parte de uma célula terrorista com mais seis portugueses acusados de pertencerem ao Daesh e de unirem esforços, recrutarem e financiarem a organização terrorista, apoiando a ida de cidadãos portugueses e britânicos para a Síria para combaterem ao lado de jihadistas — nega as acusações que lhe são feitas, mas não consegue explicar o conteúdo de alguns telefonemas comprometedores com o irmão, Sadjo Turé, e os favores que lhe terá feito.

“A minha única organização é a família e foi por isso que lutei”, disse, negando ter alguma vez feito parte de uma qualquer organização terrorista, como lhe é imputado na acusação. Cassimo Turé, que decidiu apenas falar no fim do julgamento — as alegações finais estão já marcadas para o próximo dia 9 de Novembro —, explicou que a sua preocupação foi trazer a mulher da Guiné para Portugal, tratar da nacionalidade dela e depois levá-la para Londres, onde actualmente vive com mais dois filhos.

“Nego as acusações, nunca pertenci a nenhuma organização terrorista, nunca aderi a essa causa, sou muçulmano e frequento lugares de culto, mas nunca tive nada a ver com isto”, afirmou, perante o colectivo de juízes.

Sobre os restantes arguidos, Celso, Edgar e Rómulo Costa, o arguido disse que os conhecia do bairro onde cresceram e estudaram, em Massamá, apenas quando eram jovens, negando ter tido contacto com eles em adulto.

Sobre o irmão, Sadjo Túré, que, juntamente com Celso da Costa, foi suspeito, no Reino Unido, da autoria do rapto dos jornalistas John Cantlie e Jeroen Oerlemens, em Julho de 2012, na fronteira turco-síria, diz que nunca desconfiou que pudesse estar ligado a actividades terroristas.

Segundo a acusação,  Sadjo Turé  forjava certificados de habilitações para depois inscrever alunos nas universidades britânicas e receber apoios sociais nesse país. Como era tudo feito pela Internet, os apoios sociais eram levantados através de códigos depois enviados para os endereços de correio electrónico dos alunos que, na realidade, não existiam, o que permitia que qualquer pessoa levantasse o dinheiro.

Sadjo Turé enviava depois o dinheiro para Cassimo, que o distribuía pelos restantes membros do grupo, como Celso Costa e Edgar Costa. O irmão de Cassimo teria um livro onde guardava todos os registos de email que usava e os respectivos códigos para aceder ao dinheiro dos apoios sociais. O livro foi encontrado pela Polícia Judiciária durante buscas a casa dos pais de Rómulo Costa.

Cassimo Turé assumiu que o irmão lhe deu o livro quando os dois estavam no aeroporto, em Londres, e a polícia deteve Sadjo. “Ele disse que depois me dizia a quem entregar”, contou ao juiz, sublinhando que nunca abriu o livro para ver o que lá estava e que, também na altura, não percebeu porque é que o irmão estava a ser preso. Explicação que não convenceu o juiz, que lhe perguntou se não teve curiosidade em saber. “Eu perguntei, mas ele disse que eram coisas dele. O meu irmão era muito reservado”, disse, assumindo que Sadjo lhe mandou várias vezes dinheiro, mas que era para o ajudar a si e aos pais. “Nunca entreguei dinheiro a mais ninguém”, garantiu.

Sobre o que fez ao livro, o arguido disse que o entregou, a pedido do irmão, a Ahsan Ali Iqbal, numa altura em que este esteve em Portugal. Iqbal também estaria identificado no Reino Unido como tendo estado envolvido no rapto de dois jornalistas, juntamente com os dois portugueses Sadjo Turé e Celso Costa, e que acabou por ser preso na Tanzânia.

A certa altura, Cassimo recebe um pedido de Sadjo para ir buscar um homem ao aeroporto de Lisboa. Segundo a acusação, este seria um jovem recrutado. Cassimo assume que o foi buscar ao aeroporto e que o deixou numa casa em Massamá. No dia seguinte, voltou a levá-lo ao aeroporto para que embarcasse para a Turquia. Também confessa que foi ele que lhe comprou o bilhete de avião para a Turquia. Diz que o fez a pedido do irmão, mas que não questionou o porquê e que achou normal.

O juiz confrontou o arguido com algumas escutas em que Sadjo fala do recrutado, dizendo: “É só despachar o canuco, vira sexta, dentro e tchau” e “Este ainda não está concentrado, foi dos que fez mais perguntas”. Cassimo diz que não sabe o que o irmão quis dizer com estas frases.

O magistrado confrontou-o também com outra escuta, na qual Cassimo pergunta ao irmão se o bilhete para Istambul é só de ida. Sadjo repreende-o e diz que não pode falar disso ao telefone, sublinhando que o bilhete tem de ser de ida e volta porque, caso contrário, não o deixam entrar na Turquia, pois o homem tem de demonstrar que é sua intenção voltar a sair daquele país.

Cassimo volta a dizer que não sabe o que o irmão queria dizer. “Ele às vezes dizia coisas que eu não entendia”, sustenta. Argumento que não convenceu o juiz, que perguntou a razão pela qual Cassimo nunca perguntou ao irmão de que assunto estaria ele a falar.

À saída do tribunal, Ricardo Serrano, advogado de Cassimo, disse que estava confiante na inocência do seu cliente e que este só ali estava como arguido porque o irmão, Sadjo, estava a ser investigado no Reino Unido. 

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