Joaquim Urbano poderá receber primeiro projecto de residência apoiada do Porto
Autarquia já demonstrou ao Ministério da Saúde interesse em adquirir antigo hospital onde está instalado um centro de apoio aos sem-abrigo. Lá, gostaria de construir um “campus social” e pôr em prática a primeira experiência de residência apoiada da cidade
Tudo estará, antes de mais nada, nas mãos do Ministério da Saúde. Se esta tutela aceitar vender à Câmara do Porto o antigo Hospital Joaquim Urbano, onde funciona actualmente um centro de acolhimento temporário para pessoas em situação de sem-abrigo, a autarquia gostaria de transformar esse espaço num “campus social” onde, entre outras coisas, seria acolhida a primeira experiência de residências apoiadas da cidade.
Rui Moreira abriu um pouco o jogo durante a reunião de câmara desta segunda-feira, depois de o vereador Manuel Pizarro ter sugerido que o terreno do antigo bairro São Vicente de Paulo, onde irá ser erguido um projecto de habitação a preços acessível, seria uma boa geografia para um primeiro ensaio municipal de “residência apoiada para gente com mais idade”, algo que o socialista considera uma “necessidade evidente e generalizada na habitação pública”.
O presidente da Câmara do Porto divulgou, então, que, ainda em Setembro, numa reunião com Marta Temido onde discutiram a questão das salas de consumo assistido na cidade (resposta que deverá arrancar no início de 2021), comunicou à ministra que o município “gostaria de ficar com o Joaquim Urbano”. O local, considera Moreira, que já antes de Setembro tinha manifestado vontade de fazer esta aquisição, tem um “enorme potencial”.
“Iremos insistir junto da ministra da saúde”, prometeu o autarca, deixando uma espécie de apelo ao governo liderado por António Costa: “O ministério podia abster-se de tentar vender o Joaquim Urbano para urbanizar como uma forma de resposta ao mercado.”
A ideia de utilizar aquele equipamento para desenvolver estas residências tem em conta uma percepção de que este tipo de resposta ganha se tiver “um conjunto de valências próximas” que, ali, estariam garantidas. “Uma residência apoiada sem serviços de apoio e suporte perde alguma coisa”, apontou.
A habitação foi o tema forte da reunião desta segunda-feira, onde foi aprovado – com abstenção da CDU – o acordo de colaboração entre o município e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), responsável pela aplicação do 1.º Direito. Através deste acordo, a autarquia ambiciona, até 2025, apoiar 1740 agregados familiares, correspondentes a 3800 pessoas, que vivem actualmente em “condições habitacionais indignas”. A este programa do Governo para eliminar as carências habitacionais do país, o Porto apresentará ainda um segundo acordo, através da empresa municipal Porto Vivo SRU, através do qual apoiará mais 1260 famílias – e aqui se integrará a resposta para as ilhas, identificadas na Estratégia Local de Habitação (ELH) como núcleos de intervenção prioritária.
É bom, mas…
Para Ilda Figueiredo, da CDU, o acordo apresentado para votação era apenas um “cumprimento parcial” da ELH e, como tal, uma resposta incompleta ao “grave problema” de habitação na cidade. A resposta ali explanada, considerou, é “pouco superior” àquilo que a Câmara do Porto tem vindo a fazer, ao longo dos anos, sem apoio do Estado. “Em vez de 200 [habitações construídas] gostaria que fossem 600 ou 800”, apontou, pedindo mais “ambição” ao executivo de Rui Moreira e saudando a aposta do Estado numa matéria da qual se havia há muito abstido. “O apoio é escasso, mas é melhor do que aquele que houve nos últimos dez anos, que foi zero.”
O próprio vereador socialista Manuel Pizarro quis sublinhar esse “saudável regresso do apoio do Estado às autarquias”, uma década depois, e não andou longe do diagnóstico da comunista Ilda Figueiredo. “Isto é uma pequena parte do que tem de ser feito”, afirmou, recusando, no entanto, outro sentido de voto que não fosse o da aprovação. “Do que aqui está proposto, só há cerca de 400 fogos que se acrescentam ao mercado do arrendamento apoiado. Tudo o resto é para financiar, e bem, uma operação que a Domus já faz anos após ano”, apontou. “Se a expectativa é que se resolve o problema da habitação das pessoas com baixos rendimentos com isto, a expectativa vai sair gorada. Não é possível.”
O vereador com a pasta da habitação, Fernando Paulo, fez questão de repetir que esta é apenas uma das ferramentas em acção para dar resposta ao problema e que a autarquia não irá “abandonar” a sua política social, sublinhando ainda que a estratégia pode ser revista de seis em seis meses, caso seja necessário.
Acessível ou social?
O projecto de habitação destinada à classe média que a Câmara do Porto vai erguer no Monte da Bela, em Campanhã, seguiu para discussão pública por 15 dias, apesar do voto contra da CDU. Ilda Figueiredo gostava que a autarquia usasse aquele território para promover habitação social, dando resposta às pelo menos três mil famílias que vivem em situação indigna, como a própria câmara identificou. Com o apoio do Governo à construção de habitação pública, através do 1º Direito, a CDU entende que aquele seria um dos projectos que poderia ser reconduzido para isso.
Essa não é, no entanto, a “ideia política de cidade” do movimento de Rui Moreira, apontou o próprio, dizendo que prefere promover a “mistura” e sublinhando a dificuldade da classe média e dos jovens para ter casa. “A manta não chega para tudo”, admitiu, recordando, mais uma vez, que o Porto é o município do país com maior percentagem de fogos sociais. É um dado que, isolado, tem pouca importância para o vereador Manuel Pizarro: “Temos a maior percentagem. Mas o stock de habitação pública em 2020 é inferior ao de 2001”, apontou, recordando as demolições do São João de Deus, do Aleixo e Do São Vicente de Paulo e ainda a “mancha de pobreza muito superior à de outros municípios”.
A dicotomia entre social e acessível deve ser abandonada, defendeu Manuel Pizarro, pedindo uma concentração na ideia de ser habitação pública e não no regime adoptado. Mas a deixa sobre rendas apoiadas serviu para Rui Moreira mandar novo recado para Lisboa, com a “solidariedade” expressa do PS Porto: “Seria bom que o Parlamento deixasse de definir quais são os critérios das rendas. Há um enorme risco e um terrível precedente. Estarmos a fazer investimento e depois o Parlamento está a legislar sobre aquilo que é nosso é extraordinariamente complicado. Ainda por cima, quando legisla fá-lo atendendo à realidade de Lisboa.”