Mãe que abandonou bebé no lixo condenada a nove anos de prisão
O Ministério Público tinha pedido pena não inferior a 12 anos. Juiz considerou que houve premeditação no acto e que a vontade de matar surgiu antes do parto, tendo a arguida seguido um plano.
A mãe que abandonou o bebé, depois de dar à luz, num ecoponto, em Novembro de 2019, na zona de Santa Apolónia, em Lisboa, foi esta quarta-feira condenada a nove anos de prisão efectiva por homicídio qualificado na forma tentada. O Ministério Público (MP) tinha pedido uma pena não inferior a 12 anos de prisão.
Segundo o juiz, que deu como provada a maioria dos factos constantes na acusação, apenas não ficou provado que o bebé chegou em estado crítico ao hospital, uma vez que técnicos do INEM já lhe tinham prestado os primeiros socorros. Porém, o magistrado disse que ficou provado que o bebé nasceu na madrugada de 4 de Novembro de 2019 e não no dia 5, ao contrário do que declarou a arguida.
Há imagens das câmaras de vigilância que contradizem estas declarações e que tornam claro que o bebé esteve cerca de 37 horas no lixo.
Também foi considerado que houve premeditação no acto de colocar o bebé no lixo, dentro de um saco, para lhe pôr fim à vida e que a arguida tinha seguido um plano e que a vontade de matar não tinha decorrido de nenhuma perturbação do parto.
Para o colectivo, as declarações da arguida também não mereceram credibilidade quando disse que era sua intenção ficar com o filho e que foi por isso que continuou com a gravidez, embora a tenha ocultado por vergonha. Segundo o magistrado, se essa fosse a sua intenção, não tinha escondido a gravidez de tudo e de todos. “Não podendo ficar com ele por razões socioeconómicas não podia ter feito o que fez”, afirmou o juiz, referindo-se ao facto de a arguida ter abandonado o filho num ecoponto.
“Há associações, hospitais, igrejas e até mesmo uma qualquer entrada de metro”, afirmou o juiz, sublinhando que a arguida nem teve o cuidado de embrulhar o filho numa peça de roupa. Em vez disso, colocou-o sujo num saco de plástico e escolheu um ecoponto, onde, segundo o juiz, ainda seria mais difícil encontrar o bebé até pelas suas características, uma vez que a tampa não abre totalmente, ao contrário de um caixote de lixo normal.
Para o juiz, ficou claro que a arguida tinha “a intenção que a vida do bebé esvaísse, expondo-a à sua sorte”, como algo “descartável”.
Acresce que não pode o tribunal ser alheio à total ausência de empatia e de arrependimento por parte da arguida.
Não resulta da sua atitude, refere o juiz, que o acto que praticou resultasse de uma qualquer perturbação causada pelo parto.
“A intenção de matar foi anterior ao parto”, afirmou, sublinhando que “dúvidas não restam sobre a matéria de facto e que a” imputação jurídica de homicídio qualificado na forma tentada é a correcta”.
Nas alegações finais, a procuradora do MP também já tinha considerado que a mãe tinha agido de forma premeditada e não revelou arrependimento. Segundo a procuradora, a arguida tem uma personalidade “desconforme”, não tendo demonstrado pena pela situação ou arrependimento.
Para a procuradora, a arguida poderia tê-lo dito em tribunal quando falou, mas tal não aconteceu e a morte do bebé só não se verificou por “mera casualidade” e porque houve a intervenção de outras pessoas.
Para a decisão do MP, pesaram todos os testemunhos prestados no julgamento. Um desses testemunhos foi o do inspector da Polícia Judiciária (PJ) António Portela, que referiu que o bebé que foi abandonado pela mãe num ecoponto amarelo, em Novembro de 2019, junto à discoteca Lux, em Lisboa, sobreviveu cerca de 37 horas no lixo.
Já Rute Santos, advogada da mãe do bebé, defendeu, nas suas alegações finais, que em causa estava um crime de infanticídio (quando a mulher mata o recém-nascido que deu à luz durante ou após o parto, estando ainda sob a sua influência perturbadora) e não de homicídio.
A advogada tinha pedido que a sua cliente fosse sujeita a uma pena de “prisão mínima”, uma vez que tinha confessado os factos.