Jorge Jesus: “Não me preocupou nada que o meu contrato tivesse andado pela Internet”
Ouvido em tribunal como testemunha do caso Football Leaks, o treinador impacientou-se: “Nem sei o que estou aqui a fazer. Mas é obrigatório, não é?”.
Foi num tom quase hostil que o ex-treinador do Sporting e hoje técnico do Benfica Jorge Jesus respondeu esta terça-feira em tribunal às perguntas de juízes e procuradora sobre o caso Football Leaks.
Tal como várias outras figuras do clube leonino, como Bruno de Carvalho, também Jorge Jesus foi alvo de intrusão informática por parte do pirata Rui Pinto, que em Setembro de 2015 revelou, no site Football Leaks, que o técnico ia ganhar aquilo que nenhum outro treinador de futebol tinha aparentemente ganho até aí em Portugal: cinco milhões por ano, mais prémios.
Mas apesar de a revelação do contrato ter feito abalar o mundo do futebol, Jorge Jesus garantiu esta manhã em tribunal que não o perturbou: “Não liguei nenhuma a isso. A mim não me criou instabilidade nenhuma”, respondeu aos magistrados. E chegou a reagir mal quando, a dado ponto da inquirição, lhe fizeram perguntas a que já tinha respondido de forma implícita minutos antes: “Mas eu não falo português?! Já disse que só estive em Budapeste uma vez, aos 19 anos, quando fui lá jogar”, impacientou-se. “Eu sei lá o que é que a divulgação dos contratos causou ao Sporting. Sou treinador”.
Era a partir de Budapeste, onde morava, que Rui Pinto se introduzia nas caixas de correio alheias para revelar ao mundo os negócios escondidos do mundo do futebol. Esta terça-feira, dia em que faz 32 anos, senta-se mais uma vez no banco dos réus, acusado não só de crimes informáticos como de ter tentado extorquir dinheiro a um fundo de investimentos ligado aos passes dos jogadores, a Doyen.
“Se quer que lhe diga nem sei o que estou aqui a fazer no tribunal. Mas é obrigatório, não é?”, disparou a certa altura Jorge Jesus na audiência de julgamento, num depoimento que durou pouco mais de 15 minutos. Falou com máscara posta, mas não sem antes perguntar se tinha mesmo de ser assim ou se podia tirar o equipamento de protecção. “Não me preocupou nada que o meu contrato tivesse andado pela Internet. É o teu contrato, qual é o problema? Tens de pagar mais de 50 por cento de impostos”, assinalou o técnico. Que disse ainda que nunca usou a conta de correio electrónico que lhe foi disponibilizada pelo Sporting e à qual o pirata informático acedeu.
“Não sei se o Sporting ou o Benfica me criaram caixas de correio electrónico, porque não uso”, declarou. Para logo a seguir corrigir: “O meu email só serve para trabalho”. O actual treinador dos encarnados tentou justificar o seu alheamento relativamente à polémica criada pela divulgação dos contratos com as suas ausências no estrangeiro. “Não sei se sabe, mas estive dois anos fora de Portugal, no Brasil e na Arábia Saudita. Não me sei sintonizar”. Porém, o treinador só foi trabalhar para fora do país já depois do surgimento do Football Leaks - muito embora na altura ninguém soubesse que era Rui Pinto quem estava por trás do site.
Na última sessão do julgamento, em que foi ouvido um técnico informático dos leões, surgiu, porém, uma dúvida. Horas antes de o pirata informático ter acedido a estas contas de correio electrónico do Sporting sem que ninguém desse por isso ocorreu um crash do sistema informático que os especialistas do clube não assacam a Rui Pinto. Ignora-se quem terá perpetrado este primeiro ataque.
Inquirido a seguir a Jorge Jesus, o ex-dirigente do Sporting Alexandre Godinho confirmou aquilo que já tinha sido dito por Bruno de Carvalho na passada semana em tribunal: que afinal o prejuízo para o clube da divulgação dos contratos no Football Leaks não tinha, afinal, tido assim tanta importância quanto se pensou na altura, até porque acabou por resultar na exposição pública das “condições abusivas” que a Doyen tinha imposto aos leões, com o acordo da anterior direcção do clube.
Alexandre Godinho não se limitou a apontar o dedo aos seus antecessores na direcção do Sporting e ao fundo de investimento. Criticou também o que considerou ser a inércia da Federação Portuguesa de Futebol, da Liga de Clubes e também do Governo, no que diz respeito ao combate às “práticas lamacentas” nesta modalidade desportiva.
“O Sporting ficou na dependência da Doyen”, reconheceu a testemunha, recordando os indícios revelados pelo Football Leaks segundo os quais este fundo de investimento está ligado a uma família rica originária do Cazaquistão conhecida pelas suas ligações a oligarcas corruptos. A participação nos direitos económicos dos futebolistas era um dos tipos de negócio em que se tinha especializado a Doyen, até a FIFA o ter proibido.