A Marcha LGBTI+ de Viseu foi um acto de resistência

As conquistas alcançadas nos últimos 20 anos pelo movimento LGBTI+ em Portugal podem ser revertidas a qualquer momento. E se já foi muito difícil alcançar a igualdade perante a lei, pois alcançámos várias conquistas na legislação nas últimas duas décadas, o desafio agora para o movimento LGBTI+ é o de alcançar a igualdade perante a sociedade.

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Num ano atípico como este, sem marchas e manifestações pelos direitos humanos, e em plena pandemia, a Marcha de Viseu Pelos Direitos LGBTI+, ocorrida no passado dia 11 de Outubro, foi um acto de resistência e de resiliência.

Em 2020, não houve marchas LGBTI+ nas ruas em nenhuma cidade do país e a 3.ª Marcha de Viseu foi a primeira a acontecer pós-crise pandémica. É certo que já ocorreram várias greves e manifestações em Portugal, como os protestos anti-racistas, greve climática e outras manifestações contra a precariedade e pela defesa da cultura. E foi por isso que Viseu decidiu desde muito cedo realizar a sua marcha LGBTI+ nas ruas, pois teve tempo para aprender um pouco mais sobre como lidar com o vírus e, como tantas outras demonstrações de protesto pelos direitos humanos, organizar as suas lutas nas ruas. Em tempo de pandemia, as marchas tiveram de se adaptar à situação actual e muitas optaram por um formato online, mais criativo e dinâmico. E ainda bem! Foi possível manter a chama da cidadania viva mesmo quando não era possível estarmos juntos e juntas.

A Plataforma Já Marchavas, que organiza todos os anos a Marcha LGBTI+ de Viseu, aprendeu com isso e percebeu que, dada a calendarização habitual da Marcha ser em Outubro, já não fazia sentido continuar a não ocupar as ruas, o espaço público.

A 3.ª Marcha de Viseu saiu à rua sob o mote “Transformar hoje para ter voz amanhã!” com um objectivo muito claro: demonstrar que é possível e necessário continuar a lutar contra a LGBTI+fobia com total segurança. A marcha deste ano evocou a memória daquela que foi a primeira manifestação nacional contra a homofobia fora de Lisboa, intitulada STOP Homofobia. A 15 de Maio de 2005, Viseu viveu um momento histórico, em que mais de 300 pessoas de todo o país se uniram para lutar e condenar as perseguições, torturas e humilhações que estavam a ser praticadas por um gangue de mais de 30 jovens à comunidade LGBTI+ da cidade. 

Passados 15 anos dessa manifestação, mais de duas centenas de pessoas voltaram a ocupar as ruas de Viseu para lutar contra a LGBTI+fobia, numa cidade ainda bastante conservadora. A marcha deste ano apelou também à importância da cidadania e da solidariedade enquanto veias de luta e mudança da sociedade. Os movimentos sociais dependem e resultam da cidadania de cada um(a) de nós. 

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Já Marchavas

Em tempo de pandemia, com a ascensão da extrema-direita e dos discursos fascistas, racistas, machistas e xenófobos, a cidadania não se confina. Devemos estar todos e todas vigilantes e participar activamente na construção de uma sociedade livre, igual, justa e cooperativa. Daí que o mote da marcha deste ano tenha sido um apelo a que a transformação da sociedade seja feita hoje, diariamente, para que amanhã todos e todas tenhamos voz.

As conquistas alcançadas nos últimos 20 anos pelo movimento LGBTI+ em Portugal podem ser revertidas a qualquer momento. E se já foi muito difícil alcançar a igualdade perante a lei, pois alcançámos várias conquistas na legislação nas últimas duas décadas, o desafio agora para o movimento LGBTI+ é o de alcançar a igualdade perante a sociedade. Mudar mentalidades e preconceitos das pessoas é o caminho mais difícil. Por isso, as marchas devem e vão continuar a existir em várias cidades do país.

A covid-19 não pode ser desculpa para se deixar de lutar por algo que nunca ficou resolvido, por algo que nunca se garantiu a todas as pessoas: a igualdade plena, a liberdade. Querem usar a crise pandémica como desculpa para colocar em causa o direito de qualquer pessoa se manifestar. O discurso, na verdade, é o mesmo, o que muda agora é a desculpa (o vírus), pois sempre quiseram que as pessoas ficassem confinadas nas suas casas, dentro de armários, discretas, sem dar nas vistas. “Porque já temos todos os direitos garantidos, porque já somos livres e iguais, porque já podemos casar e adoptar”, dizem. 

O discurso da extrema-direita e neoliberal que chegou ao Parlamento está a reverter décadas de conquistas pelos direitos humanos ao normalizar um discurso racista, homofóbico, machista e misógino. Querem que deixemos de ocupar livremente as ruas e impor um comportamento normalizado e heteronormativo, e corremos o risco de em 2021 começar a haver menos marchas ou de outras lutas. E, por isso mesmo, continua a fazer todo o sentido marchar, pois a LGBTI+fobia continua a existir. Esta foi uma marcha da cidadania, pela igualdade na sociedade. A luta é internacional e interseccional. Marchemos!

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