Se tudo começa com elas, é semente a semente que se prepara o futuro
A empresa Sementes Vivas, instalada em Idanha, produz biológico, segundo o método biodinâmico, e acredita “num mundo sem patentes”.
Se as plantas que crescem no campo à nossa frente se destinassem a dar-nos produtos frescos – alfaces, couves, beterraba ou outros legumes – teríamos que esperar alguns meses até os podermos colher. Mas o trabalho aqui é bastante mais complexo – e muito mais demorado. O objectivo é cultivar para extrair as sementes.
Paulo Martinho, que é, com Micha Goenewegen, um dos sócios da empresa Living Seeds - Sementes Vivas, situada no Couto da Várzea, em Idanha-a-Nova, dá dois exemplos: “Se quisermos fazer uma alface, são três meses para fresco, mas seis ou sete para semente. E uma cebola são dois anos de semente a semente.”
Mas Paulo e os seus sócios não se propuseram apenas fazer aquela que é a parte mais difícil da produção agrícola. Acrescentaram mais dois ou três graus de dificuldade, conta o empresário, sorrindo: instalaram-se no interior do país, e decidiram fazer sementes biológicas e segundo os métodos de produção biodinâmicos. Já investiram neste projecto sete milhões de euros, mas acreditam que estão a fazer a aposta certa.
Paulo nasceu em Penamacor, e, no entanto, quando os sócios investidores, Stefan e Bettina Doeblin, procuraram em Portugal um lugar para o Sementes Vivas, ele só lhes mostrou a sua região praticamente no fim. Contudo, foi por ela que Stefan e Bettina se apaixonaram imediatamente (a visita às aldeias históricas de Monsanto e Idanha-a-Velha foi o golpe de misericórdia) e tudo bateu certo porque o presidente da Câmara de Idanha, Armindo Jacinto, aposta precisamente em transformar a zona numa bio-região. E, se tudo começa com a semente, que projecto se poderia enquadrar melhor?
“Acreditamos num mundo sem patentes”, diz Paulo, “e acreditamos que as sementes são, em paralelo com a água, o recurso mais importante que temos. Portugal importa a grande maioria das suas sementes. O que aconteceria numa situação em que as fronteiras fossem fechadas?”.
Mas nem só de idealismo se faz um negócio e outra crença que partilham é a de que a procura por sementes biológicas vai aumentar exponencialmente em todo o mundo. Daí que a empresa tenha sido pensada para crescer para outros países, mantendo o nome base Living Seeds e traduzindo o “sementes vivas” na língua local.
Por enquanto, e desde 2015, o trabalho está concentrado em Portugal, até porque, explica o nosso anfitrião no Couto da Várzea, o melhoramento e a selecção de sementes para poderem ser comercializadas é um processo necessariamente longo. “O melhoramento e selecção demora entre três a cinco anos, enquanto para a criação de uma nova variedade precisamos de dez anos.”
Um dos objectivos da Sementes Vivas é recuperar variedades tradicionais que estão em risco de desaparecer, contribuindo para preservar a biodiversidade. É um trabalho que já começaram a fazer, por exemplo, com o melão Manuel António, as couves pencas de Chaves ou a cenoura Pau Roxo do Algarve.
Recolhem as sementes junto de agricultores ou do Iniav (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária), semeiam-nas, seleccionam os melhores frutos (fazem polinização cruzada, o que resulta numa maior heterogeneidade), voltam a plantar (muitas vezes usando os campos de agricultores com os quais trabalham para manter as produções totalmente separadas) e através desse processo tradicional vão aperfeiçoando as sementes. Começaram com 30 variedades, neste momento têm já cerca de 270.
A secagem, escolha, escovagem, armazenamento (em condições de temperatura e humidade controladas) e embalamento são feitos todos neste local. Deixamos os campos e entramos no edifício onde os trabalhadores cortam frutos para lhes retirarem as sementes, algumas das quais passam depois por uma fase de fermentação para “serem activadas”. Paulo mostra de seguida as várias máquinas que limpam as sementes e as seleccionam por tamanhos, excluindo as que possam estar ocas, para que o que é colocado nas embalagens não represente perdas para os compradores.
Ao contrário do que acontece com as sementes convencionais, que na maioria dos casos podem ser usadas apenas numa sementeira, obrigando os agricultores a voltar a comprar, as biológicas permitem que se siga o ciclo normal da planta, deixando de lado algumas para se retirar a semente para o ano seguinte. Isto não é ruinoso para o negócio?
Paulo garante que não. Fazem-no em primeiro lugar por convicção, por defenderem que as sementes não devem ser propriedade de empresas. Mas acreditam que muitos agricultores não terão tempo para fazerem eles próprios a multiplicação das sementes e, por isso, continuarão a comprar. Para uns e para outros, o site da Sementes Vivas tem uma série de conselhos úteis para “uma horta com biodiversidade”, além de um calendário de sementeiras.
Não têm dúvidas de que este é um mercado que vai crescer – aliás, a União Europeia deu um prazo até 2030 para que os agricultores biológicos passem a usar exclusivamente sementes biológicas. E a aposta no biodinâmico – com a certificação Demeter – é também um olhar para o futuro. No Norte da Europa, explica Paulo, a simples certificação biológica perdeu alguma da sua credibilidade e o biodinâmico funciona como uma garantia fidedigna de que as práticas de produção ajudam a renovar os solos, evitam desperdícios e respeitam a natureza.