Rede Nacional de Teatros: riscos e desafios

A proposta de criação de uma Rede de Teatros e Cineteatros e o apoio à programação dos mesmos poderão afirmar-se como instrumentos para responder à necessidade de garantir uma oferta cultural diversificada e regular em todos os territórios. Mas não podem ser os únicos, porque o seu impacto será claramente limitado.

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Miguel Manso

A proposta de Orçamento do Estado para 2021 inclui a concretização de uma iniciativa que tem vindo a ser defendida por muitos agentes culturais (e pelo próprio Ministério da Cultura) como um instrumento na democratização do acesso à cultura: a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses. De acordo com a ministra da Cultura, em artigo publicado no jornal PÚBLICO a 19 de Setembro, o projeto será possível através de um apoio à programação destes equipamentos que “não funcionam por falta de meios” ou “abrem as portas de forma irregular”. Posteriormente foram conhecidos alguns critérios para acesso a esta linha de apoio e determinadas regras de funcionamento a cumprir pelos teatros que pretendam integrar a rede.

Enquadramos esta proposta num debate mais alargado sobre a necessária articulação entre Governo e Autarquias Locais na promoção da coesão territorial no acesso à cultura. Temos advogado em diversos fóruns a urgência de uma política cultural integrada que parta das necessidades dos territórios e promova uma eficaz articulação dos diversos níveis do Estado, conforme a Constituição, corresponsabilizando Administração Central e Local na prossecução de objetivos estratégicos e metas claras tendo em vista a promoção da democracia cultural em todo o território nacional. No desenho e na formulação destas medidas é importante incluir aqueles que melhor conhecem os territórios: os municípios e outros atores locais, públicos e privados.

Parece-nos que a partir daí deveriam então ser desenhados os instrumentos mais eficazes para responder a diferentes desafios e às especificidades dos diversos contextos. 

Neste sentido, a proposta de criação de uma Rede de Teatros e Cineteatros e o apoio à programação dos mesmos poderão afirmar-se como instrumentos para responder a uma necessidade real: garantir uma oferta cultural diversificada e regular em todos os territórios. Esta é, no entanto, apenas uma das medidas que podem e devem ser implementadas se o objetivo é corrigir as assimetrias regionais no acesso à cultura e às artes, na medida em que o seu impacto será claramente limitado. Em primeiro lugar, porque assenta na ideia de dinamização dos teatros, quando a programação cultural pode habitar outros espaços e assumir diferentes formatos e modelos, que não passam necessariamente pela existência de um espaço convencional de apresentação. Em segundo lugar, porque parte de uma conceção rígida e única do que deve ser o funcionamento e a programação de um teatro, definida de uma forma centralista e desconsiderando as especificidades dos contextos locais. Sem negarmos a necessária exigência de qualidade na gestão e na programação destes equipamentos, afirmamos que esta exigência deve ter em conta os desafios existentes em cada território, os recursos disponíveis e os objetivos concretos a alcançar ou correm-se dois riscos: acentuar as assimetrias que já existem e homogeneizar a oferta cultural existente nestes equipamentos. Mais do que impor percentagens e mínimos para o funcionamento e a programação dos teatros, é importante definir objetivos e prioridades, cabendo a cada teatro fundamentar o seu projeto de programação e ao júri avaliar a pertinência, qualidade e adequação da proposta aos objetivos a alcançar.

Um dos exemplos da complexidade do debate associado à proposta de apoio à programação dos teatros é a prioridade conferida, numa primeira fase, aos equipamentos localizados em territórios de baixa densidade e/ou com oferta cultural mais reduzida. Não podemos negar a importância desta priorização, mas questionamos como será aferido se a oferta cultural de um determinado território é reduzida. Quais os limites geográficos para esta avaliação? Que indicadores servirão de base a esse processo? Exemplo do risco de seguir esta abordagem em exclusivo são as assimetrias existentes no interior das áreas metropolitanas e que reiteradas vezes são desconsideradas.

Outra das perguntas que se impõe prende-se com o orçamento global dedicado a esta medida. A capacidade de este mecanismo verdadeiramente trabalhar no combate às disparidades territoriais depende da quantidade e da diversidade de teatros que poderão auferir deste apoio à sua programação. É também essencial definir a natureza das entidades candidatas e beneficiárias do apoio, na medida em que a grande maioria dos teatros é detida, gerida e programada pelos municípios.

Os 15 anos de experiência na Artemrede fazem-nos acreditar que uma política cultural que tenha como objetivo a coesão territorial no acesso à cultura e às artes (aqui entendido não apenas do lado da oferta mas também de oportunidades de criação e participação) tem necessariamente que ir além de um instrumento de financiamento. Deve, sim, assentar em modelos inovadores de cooperação, participação e partilha de responsabilidades, tendo em vista a construção de comunidades mais inclusivas, sustentáveis e democráticas.

A direcção da Artemrede:

Catarina Vaz Pinto (Município de Lisboa)

Luís Dias (Município de Abrantes)

Daniel Vaz Figueiredo (Município da Moita)

Luís Miguel Calha (Município de Palmela)

Ana Cabral (Município de Pombal)

Marta Martins (Directora executiva da Artemrede)

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