Duas mulheres, um bidão e o absurdo da existência

Primeira estreia apresentada no presente Temps d’Images, Memorial leva Lígia Soares e Sónia Baptista ao Lavadouro de Carnide para recordarem um mundo desaparecido — o de hoje.

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ALÍPIO PADILHA

É um tempo incerto aquele de onde Lígia Soares e Sónia Baptista nos falam. Não sabemos exactamente onde se encontram, nem que futuro habitam. É, no entanto, um futuro em que duas mulheres podem encontrar-se em torno de um bidão a mergulhar uns ténis “de marca” numa água suja e em que começa a desfazer-se a memória de um passado que corresponde ao presente em que vivemos hoje. Foi com esta imagem que Lígia Soares começou a escrever o texto de Memorial — a primeira estreia absoluta desta edição do festival Temps d’Images —, sabendo, desde logo, que quereria partilhá-lo com Sónia Baptista. No mundo em que estas duas mulheres vivem as marcas deixaram de importar e de ter valor. Um modelo topo de gama adornado por um logótipo de prestígio ou um equivalente de marca branca têm o mesmíssimo valor simbólico. As duas dedicam-se a uma actividade que hoje nos parece obsoleta — a de lavar à mão peças de vestuário ou calçado — como se eliminassem, afinal, numa solução aquosa corrosiva todos os vestígios de um mundo que ruiu ao ceder ao peso excessivo do absurdo.

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