Disney+ reforça avisos de conteúdo racista em filmes clássicos

Mensagens de alerta surgem antes de filmes como Dumbo, Peter Pan ou A Dama e o Vagabundo. “Estes estereótipos estavam errados na altura e continuam errados agora”, sublinha a plataforma de streaming, que não quis retirar os títulos do catálogo para “reconhecer o seu impacto prejudicial” e “iniciar uma conversa com vista à construção de um futuro mais inclusivo”.

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O gato Shun Gon (Os Aristogatos) toca piano com pauzinhos e canta sobre bolinhos da sorte DR

Quem quiser aceder aos serviços da Disney+ e assistir a filmes de animação como Dumbo (1941), Peter Pan (1953), O Livro da Selva (1967), Os Aristogatos (1970) ou A Dama e o Vagabundo (1955) terá primeiro de ler um aviso. “Este conteúdo inclui representações negativas e/ou um tratamento incorrecto de culturas”, começa por sublinhar a mensagem. “Estes estereótipos estavam errados na altura e continuam errados agora.”

A plataforma de streaming alega no disclaimer que, em vez de retirar estes títulos do seu catálogo, prefere “reconhecer o seu impacto prejudicial, aprender com ele e iniciar uma conversa com vista à construção de um futuro mais inclusivo, em conjunto”.

Este aviso de conteúdo racista é um reforço do alerta mais pequeno que os espectadores já podiam ler desde Novembro do ano passado. “Este programa será apresentado tal como foi originalmente criado. Pode conter representações culturais desactualizadas”, salientava na altura, mais sucintamente, a Disney+.

Uma das personagens na comédia musical Os Aristogatos é o gato amarelo Shun Gon, que toca piano com pauzinhos e canta sobre bolinhos da sorte. Os gatos siameses Si e Am, do filme A Dama e o Vagabundo, também reflectem vários estereótipos em torno das comunidades asiáticas, com os seus dentes da frente salientes e os seus sotaques carregados (no caso desta longa-metragem, há ainda os polémicos cães Pedro, um chihuahua mexicano, e Boris, um borzoi russo).

Quanto a Peter Pan, o filme de 1953 mereceu críticas com o passar dos anos pela sua representação dos povos nativos dos Estados Unidos: as personagens da tribo comunicam por sons desarticulados, em vez de usarem uma língua indígena, fumam cachimbo regularmente e cantam uma canção chamada What made the red man red. O protagonista acaba por se apropriar da sua cultura e tradição, colocando um cocar (famoso adorno de penas que costumava ser usado pelos líderes das tribos em momentos de guerra e que entretanto adquiriu um tom mais cerimonial) na cabeça.

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Peter Pan com o cocar na cabeça DR

Os corvos (crows, em inglês) que ensinam Dumbo a voar têm “vozes negras” exageradas – que surgem ainda mais carregadas quando as personagens usam calão – e o líder do grupo chama-se Jim, numa referência às leis de Jim Crow que impuseram medidas de segregação nos Estados Unidos durante largas décadas. Quem fez a voz de Jim no filme original foi o músico e actor Cliff Edwards, artista branco que em 1929 gravou uma popular versão do tema Singin’ in the rain.

Dumbo também tem um momento musical controverso, desta feita em Song of the roustabouts. “We work all day, we work all night/ we never learned to read or write/ we’re happy-hearted roustabouts”, cantam várias vozes enquanto na tela passam imagens de indivíduos negros em trabalhos manuais.

A Disney+ não incluiu na sua lista de conteúdos o filme A Canção do Sul (1946), que nunca foi lançado em DVD nos Estados Unidos e que acompanha as histórias do personagem Tio Remo, um antigo escravo negro que vive alegremente na plantação do seu “mestre”.

A decisão do gigante do entretenimento surge numa altura em que o remake de Mulan continua a dividir as opiniões dos fãs. A adaptação em live-action da longa-metragem de 1998 suscitou polémica quando se soube que uma parte tinha sido filmada em Xinjiang, região do Noroeste da China fortemente criticada por diversas associações de direitos humanos devido aos campos de doutrinação e à violação dos direitos das minorias uigur (nos créditos finais, a Disney “agradece especialmente” a oito entidades institucionais em Xinjiang, o que levou a acusações de que o conglomerado estaria a ser complacente com a actuação do Governo chinês sobre aquele grupo étnico).

Já em Junho, a HBO Max tinha retirado da sua plataforma o filme E Tudo o Vento Levou, um dia depois de o argumentista John Ridley ter alegado, num artigo de opinião publicado no jornal Los Angeles Times, que o clássico de Victor Fleming “glorifica” o Sul esclavagista em plena Guerra da Secessão. “Ignora os horrores da escravatura e perpetua os estereótipos mais dolorosos acerca das pessoas de cor”, sustentou o autor do argumento de 12 Anos Escravo, do britânico Steve McQueenO filme acabou por regressar ao serviço de streaming, onde agora surge acompanhado de dois vídeos em que é abordado e discutido o seu contexto histórico.

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