Bruxelas deixa parceria futura nas mãos de Londres
Líderes europeus reafirmam a sua união, apoio e confiança total no trabalho do seu negociador Michel Barnier. O acordo com o Reino Unido ainda é possível, garantem, mas só se os compromissos antes assumidos forem respeitados.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pediu aos 27 chefes de Estado e de governo para desligarem os seus telemóveis de forma a garantir a “total confidencialidade da discussão de um assunto tão delicado” quanto o ponto em que se encontram as negociações entre a União Europeia e o Reino Unido para a assinatura de um acordo de parceria económica e política que regule o relacionamento entre os dois blocos após o fim do período de transição do “Brexit”.
Mas mesmo com os aparelhos desconectados, um recado urgente chegou até à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen: um membro do seu gabinete tinha recebido um resultado positivo num teste ao novo coronavírus, e de acordo com os regulamentos sanitários, todos os seus contactos próximos deveriam entrar em isolamento profiláctico.
A líder do executivo comunitário, que é testada todas as segundas e quintas-feiras, teve um resultado negativo no exame que realizou pela manhã, mas mesmo assim abandonou imediatamente a reunião em cumprimento das normas. Os trabalhos prosseguiram, até porque, como garantiram os serviços do Conselho Europeu, todas as precauções foram tomadas para assegurar que seriam “impossíveis” os contactos próximos entre os líderes.
O primeiro-ministro, António Costa, continuou a ouvir o negociador da UE para o “Brexit”, Michel Barnier, explicar as razões por que continuava a não ser possível fechar acordo com o Reino Unido, apesar de faltarem menos de cem dias para o fim do período de transição e de o cenário de “no deal” poder ter consequências imprevisíveis.
Costa tinha estado reunido com a presidente da Comissão Europeia pela manhã, para lhe entregar em mãos a versão preliminar do Plano Nacional de Recuperação e Resiliência. Mas nesse encontro, o primeiro-ministro não contactou com o membro da equipa de Von der Leyen infectado com coronavírus. Além disso, durante a reunião, e enquanto permaneceu no edifício da Comissão, utilizou sempre a máscara e seguiu as regras de distanciamento físico. “O primeiro-ministro mantém comportamento de cautela e vigilância permanente”, disse fonte do seu gabinete.
Depois do ponto de situação do processo negocial feito por Michel Barnier, os líderes estiveram várias horas a debater os próximos passos. Na véspera, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, tinha informado os líderes europeus que aguardava a posição do Conselho Europeu para fazer a sua própria avaliação sobre se ainda existem (ou não) condições políticas para fechar um acordo.
Johnson tinha imposto a data de 15 de Outubro para a conclusão das negociações. O prazo esgotou-se sem as equipas negociais conseguirem sequer chegar a um consenso mínimo para avançar com a redacção de um rascunho. Contudo, isso não quer dizer que um acordo até ao fim do ano não seja possível.
A opinião dos 27, vertida nas conclusões do Conselho Europeu, é de que uma parceria “tão próxima quanto possível” (com um regime de zero quotas e zero tarifas para as transacções comerciais) ainda está ao alcance do Reino Unido. Mas para isso Londres terá de respeitar os compromissos assumidos na declaração política que acompanhou o acordo de saída, nomeadamente nas matérias de pescas, concorrência (“level playing field”) e resolução de disputas, que continuam em aberto e, segundo Barnier, “são absolutamente vitais”.
“O Conselho Europeu convida o negociador da UE a prosseguir as negociações nas próximas semanas, e apela ao Reino Unido que faça as mudanças necessárias para tornar o acordo possível”, dizem as conclusões. “Estamos 100% unidos e determinados em alcançar um acordo, embora não a qualquer preço. Naturalmente preocupa-nos a falta de progressos nas negociações, mas mantemo-nos calmos e tranquilos”, declarou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
Ainda assim, conscientes da imprevisibilidade de Boris Johnson, os líderes acrescentam que neste momento, as instituições europeias, os governos nacionais e todos os agentes económicos devem “intensificar os preparativos e a prontidão, a todos os níveis, para todos os cenários”, incluindo de “no deal”.
Ao mesmo tempo, recordou Charles Michel, a UE espera que “as disposições do acordo de saída sejam integralmente cumpridas, ponto final. Essa é também uma matéria de credibilidade do Reino Unido”, observou, referindo-se à admissão do Governo de Londres de que a sua proposta de lei do mercado interno britânico viola o direito internacional.
O presidente do Conselho Europeu fez uma curta declaração depois do debate sobre o “Brexit” e antes do início do jantar, altura em que os líderes discutiriam os planos da UE para atingir a neutralidade climática em 2050.