Em ano de “tsunami”, o Congresso dos Cozinheiros quer debater a saúde mental
O evento acontece entre 10 e 12 de Novembro no Taguspark, em Oeiras, e tem como tema #Nós as pessoas.
O que o mundo dos restaurantes tem enfrentado nos últimos tempos “tem sido um tsunami”, resumiu Rui Sanches, da Plateform, um dos maiores grupos de restauração portugueses, que inclui desde os Vitaminas até ao Alma, com duas estrelas Michelin. “Depois de uns meses de Janeiro e Fevereiro muito positivos, de repente passámos para zero. Tivemos que tomar decisões complicadíssimas. É um desafio humano até mais do que financeiro.”
É por isso, porque por trás de cada porta de restaurante fechada e de cada decisão complicada estão pessoas a aprender a lidar com uma situação que nunca tinham imaginado e para a qual não estavam preparadas, que este ano o Congresso dos Cozinheiros, organizado pelas Edições do Gosto, escolheu como tema “#Nós as pessoas”.
No ano em que celebra o seu 15.º aniversário, o Congresso realiza-se de 10 a 12 de Novembro, entre as 9h30 e as 19h, no Centro de Congressos do Taguspark, em Oeiras (que é a Capital Europeia da Cultura Gastronómica 2020/2021), e quer trazer para a discussão questões tão sérias como a saúde mental dos trabalhadores da área da restauração.
Com a presença no local limitada a 50 pessoas, o Congresso será transmitido online de forma gratuita, chegando assim a uma audiência muito mais vasta, afirmou o seu organizador, Paulo Amado, durante uma apresentação esta quinta-feira no Lagoas Park. Para lançar desde já o tema, foram organizados três debates sobre o impacto actual da pandemia (onde falou Rui Sanches), os desafios do trabalho e o desenvolvimento futuro da profissão.
A pressão psicológica a que estão sujeitos todos, dos empregados aos patrões, foi uma questão que surgiu em várias intervenções. Parece, portanto, fazer todo o sentido que um dos eixos do Congresso seja a parceria com a Oficina de Psicologia, que vai disponibilizar um programa de apoio, com consultas de psicologia para os profissionais que sintam necessidade delas.
Além disso, a organização do Congresso assume outros dois compromissos: dar a conhecer as pessoas, os tais rostos por trás dos restaurantes (e não apenas os chefs), através de uma série de documentários e fotografias (o próprio cartaz do evento é um conjunto de muitas caras de gente do sector); e partilhar ferramentas e experiências.
Em paralelo, e apesar das restrições que possam estar em vigor na altura, o Congresso apadrinha uma rota dos restaurantes do município de Oeiras, com dez seleccionados para criar um menu especial de comemoração dos 15 anos do evento.
É tempo de repensar os restaurantes? Ainda é cedo para dizer, pelo que se percebeu nos três debates que esta quinta-feira anteciparam o Congresso. Duarte Calvão, ex-director do festival Peixe em Lisboa e actual colaborador do município de Oeiras nas iniciativas ligadas à gastronomia, disse claramente que não quer nenhum “novo normal” e que espera que, quando a pandemia passar, se possa regressar ao “velho normal”.
Dois dos grandes chefs nacionais, João Rodrigues, do Feitoria, e Henrique Sá Pessoa, do Alma, explicaram que nos seus restaurantes estão a fazer um caminho que é adaptado a circunstâncias em permanente mudança. “O mundo da restauração vai mudar”, acredita João Rodrigues. “Também gostava de voltar ao antigamente, mas acho que não vai acontecer.” Vê, para já, uma tendência para “menos formalismo” – “as pessoas querem alguma coisa mais próxima e humana”.
“Estou a fazer planos semanais”, afirmou por sua vez Sá Pessoa. “O restaurante pode não ser a mesma coisa daqui a seis meses. O mais difícil é a parte psicológica, é não saber para onde estamos a ir, estamos num barco sem rumo e vamo-nos adaptando.”
João Sá, do Sála, e Vítor Adão, do Plano, ambos de Lisboa, falaram também da dificuldade em ser patrão numa altura destas, gerir equipas quando “se tem que dar aos outros aquilo de que nós também andamos à procura”, como resumiu João Sá, que lamentou que “de repente os restaurantes sejam o alvo a abater, quando os autocarros estão cheios e o metro a rebentar”.
O que há a fazer é “sermos resilientes e esperar que isto passe”, declarou Pedro Bandeira Abril, do Chapitô à Mesa, que tem feito do seu restaurante um ponto de encontro, e de apoio, para uma nova geração de cozinheiros.
Proteger as equipas, manter a trabalhar tantos quanto for possível – esta foi a primeira preocupação de todos. Rui Sanches lembrou que este é um sector com “margens muito reduzidas, de 10%” e que por isso “o primeiro impacto foi de uma violência perfeitamente atroz”. Agora já consegue olhar para o futuro e ver até as oportunidades – este é o momento, defende, de se tomarem grandes decisões, como a de construir o novo aeroporto em Lisboa, avançar com o comboio de alta velocidade para a ligação a Espanha, e salvar a TAP, o que nos dará uma “vantagem competitiva”.
A pandemia “mostrou que sermos especialistas não é a melhor coisa”, frisou Carlos Coelho, da consultora Ivity – criadora das máscaras Portuguese Mask, que são as oficiais do Congresso dos Cozinheiros, um evento que segue todas as regras de segurança da Direcção-Geral de Saúde. “Importa pouco que sejamos o melhor do mundo se o que sabemos fazer deixou de ser relevante.” Foi isso que aprendeu também com a sua consultora, de repente transformada (com a mesma equipa) numa empresa que vende máscaras. “Estamos numa tempestade todos juntos, temos que sair todos juntos”, disse. “Nós não somos especialistas em marcas nem em máscaras. Somos especialistas em deixar uma marca”, concluiu.