Morreu Chris Killip, o fotógrafo que captou a dignidade humana no declínio industrial
As pessoas e as paisagens industriais do Norte de Inglaterra dos duros anos Thatcher foram eternizadas pelo seu olhar nas décadas de 1970-80. Tinha 74 anos e deixa o seu trabalho representado em instituições como a Tate Modern.
Morreu esta terça-feira o fotógrafo que capturou a dignidade humana na Inglaterra em acelerado declínio industrial das décadas de 1970-80. O inglês Chris Killip tinha 74 anos e havia-lhe sido diagnosticado cancro há alguns anos. Será recordado por algumas séries de fotografia documental, como In Flagrante, que concretizou no Norte do país entre 1973 e 1985.
“Chris é sem dúvida um dos principais fotógrafos britânicos do pós-guerra”, disse o reconhecido fotógrafo, e também seu amigo, Martin Parr. “Tinha uma forma diferente de olhar, tendo criado uma nova narrativa pela proximidade com que olhava para o que lhe interessava e queria representar.” Ao longo dos anos, a preto e branco, captou as comunidades trabalhadoras que foram sofrendo na pele os efeitos devastadores da desindustrialização, em especial no Norte de Inglaterra.
O colapso industrial atirou milhares de pessoas para o desemprego e a câmara fotográfica de Killip estava lá, retratando um país em transformação e um universo a desagregar-se. Em 2013, aquando de uma exposição sua no Museu Rainha Sofia, em Madrid, dizia ao PÚBLICO que não gostava que olhassem para o seu trabalho como “uma ilustração da Grã-Bretanha de Thatcher”. Era um rótulo enganador, apesar de todas as suas preocupações sociais, o interesse pela classe operária e o olhar humanista. “Sou o fotógrafo da revolução desindustrial”, preferia dizer.
Nascido na ilha de Man, no mar da Irlanda, começou a fotografar em meados da década de 1960, mas seria no início dos anos 1970 que a sua actividade ganharia protagonismo, quando foi convidado para participar na exposição Two Views Two Cities (1972) e começou a fotografar na zona de Huddersfield. Aí fixou fábricas, ambientes, paisagens, a classe operária e o seu modo de vida, e todas as mudanças operadas pelo processo de desindustrialização. Nas suas fotografias, as pessoas (mineiros, pescadores, construtores navais) são captadas no seu quotidiano de trabalho e nos tempos livres. São por norma registos calorosos e humanos, que denotam grande proximidade, fruto de Killip ser um observador-participante que criava facilmente empatia, interessando-se genuinamente pelas pessoas e pelos seus modos de existir.
Além de In Flagrante, viria a lançar mais uma série de livros, entre eles, Isle of Man (1980) ou Here Comes Everybody (2009), que compila as suas fotografias da Irlanda, e a expor com regularidade. Em 1985, ao lado de Graham Smith, era o destaque da importante exposição Another Country: Photographs of the North East of England, que esteve patente na Serpentine Gallery, e que viria a influenciar sucessivas gerações de fotógrafos. Em 2012, o importante Museu Folkwang, em Essen, na Alemanha, dedicou-lhe uma retrospectiva, que circulou por vários museus europeus. A Tate Britain adquiriu 75 fotografias suas e exibiu-as no Verão de 2014. O seu trabalho está representado em colecções permanentes de inúmeras instituições e museus, do MoMA de Nova Iorque ao Victoria and Albert de Londres.
Ainda assim, muitos testemunhos acerca da sua morte sublinham que não obteve o reconhecimento que teria merecido das instituições de arte e fotografia britânicas. Em 1991, foi convidado para leccionar pela Universidade Harvard, em Cambridge, Massachusetts, EUA. Ali se manteve como professor convidado até 2017, na área de Estudos Visuais e Ambientais.