AdC: Parlamento deve exigir ao Banco de Portugal reforço da concorrência na banca
Proteger bancos da concorrência das fintechs nos serviços de pagamento não vai garantir a sua sobrevivência e é “contrário ao espírito do mercado interno”. É preciso criar soluções de “banca aberta” que não estejam “centradas na SIBS” , diz reguladora.
A presidente da Autoridade da Concorrência (AdC), Margarida Matos Rosa, defendeu esta quarta-feira na Assembleia da República (AR) que o Banco de Portugal deve eliminar os obstáculos à entrada no mercado de novos prestadores de serviços de pagamentos que concorram com a SIBS, entidade que gere a rede Multibanco e é detida pelos cinco principais bancos.
“Não parece aceitável” que se esteja a atrasar a concorrência no sector dos serviços de pagamentos com “barreiras comportamentais ou prudenciais” que são “contrárias ao espírito do mercado interno” e limitam o acesso dos consumidores a “outras opções” inovadoras, afirmou a reguladora, ouvida na Comissão de Orçamento e Finanças (COF).
Lembrando que a SIBS “é praticamente monopolista” e que por isso não foi autorizada a sua fusão com a Unicre, Margarida Matos Rosa sublinhou que é preciso avançar em Portugal para “soluções de verdadeira banca aberta” que não sejam “centradas na SIBS”.
“Temos de facto de pedir ao regulador [Banco de Portugal] um sistema aberto e esta comissão parlamentar [a COF] é o local ideal para exigir essa abertura”, disse a presidente da AdC aos deputados. “Não podemos estar numa lógica de atrasar o mais possível a concorrência neste sector”, acrescentou.
A reguladora disse que há “incentivos de natureza prudencial para que as receitas dos operadores incumbentes se mantenham estáveis” e que a estabilidade “é desejável”, “somos sensíveis a isso”. Porém, preservar os bancos da concorrência “não os vai proteger a médio, longo prazo”.
“Manter receitas mais elevadas possíveis em cartões ou meios de pagamento” só vai atrasar o processo de evolução da banca, defendeu. Essa protecção não dará aos bancos “resiliência ao nível da inovação e isso não lhes vai garantir a sobrevivência” no futuro.
A presidente da AdC explicou que está a decorrer um inquérito às chamadas fintechs sobre as barreiras de entrada no mercado português e que, apesar de ainda não estar concluído, as 82 respostas, de entidades que já estão em Portugal (65), ou estão “a tentar operar em Portugal” (17), em áreas de negócio como os serviços de pagamento, crowdfunding/P2P-lending, robo-advising, personal finance e insurtech, reflectem dois grandes obstáculos.
O primeiro é o acesso ao sistema de pagamentos, o SICOI (sistema de compensação interbancária), gerido pelo Banco de Portugal e pela SIBS, que é detida pelos principais bancos (o BCP, a CGD, o Santander, o BPI e o Novo Banco) e gere a rede Multibanco, além de ter o serviço MBway.
Para poder ter acesso a este sistema de compensação das transacções, um novo operador tem de recorrer a um dos bancos incumbentes como intermediário, explicou a presidente da AdC.
O outro “é a excessiva dependência do Multibanco para pagar impostos e facturas”, acrescentou. Um português que resida fora poderia querer fazer estes pagamentos no seu banco local, mas não consegue, exemplificou a reguladora. “Isto devia ser automático e não é”.
Quadro regulatório “pouco claro”
Segundo a AdC, no inquérito que está ainda a decorrer (enviaram-se questionários a 139 entidades), foram relatadas dificuldades no acesso aos dados bancários dos clientes e muitas das empresas consideraram o actual quadro regulatório “exigente, pouco claro, ou incerto”, vendo-o como uma “barreira à entrada ou à expansão”.
A AdC considera que os “bancos incumbentes têm incentivos e capacidade para dificultar o acesso dos novos concorrentes a inputs essenciais à prestação dos serviços”, como os dados de conta de pagamento e as infra-estruturas bancárias, e que “o risco é intensificado dadas as características do sistema de pagamentos português”.
Uma vez que os cinco principais bancos são accionistas da SIBS, e que esta “concentra em si a gestão do SICOI e o acesso aos dados de conta de quase todos os bancos em Portugal” este “contexto específico” português “reforça as preocupações já identificadas no quadro europeu” sobre a concorrência nos serviços de pagamento.
“O importante é que não haja uma dependência excessiva de um operador e que não haja barreiras ao aparecimento de outras opções”. Se não houver escolha, essa empresa “tem muito poder de mercado”, sublinhou a presidente da AdC.