Cultura e Orçamento: mais, sim. Melhor, também
Garantir uma mais ampla fruição dos bens culturais é o cerne da democratização da cultura. Não se esgota aí, mas é aí onde o mais importante se joga para o futuro de um povo.
O anúncio de que o Orçamento do Estado atribui mais 47 milhões para a área da Cultura é uma boa notícia. Como boa notícia, também na área, é a da ‘Raspadinha’ que servirá de reforço ao sector do Património edificado, de facto tão necessitado. É uma forma inteligente de captar recursos.
Estas duas notícias, conjugadas com o de estar para breve um Estatuto do Trabalhador Cultural, trazem algum ânimo a uma área em enormes dificuldades, muito maiores do que qualquer, mas mesmo qualquer, outra actividade económica. Mesmo que a questão do Estatuto me mereça algumas reservas ou, melhor dito, bastantes dúvidas. Julgo que sou insuspeito, pois desde 1990 – às vezes tendo de enfrentar mesmo a ‘ira’ dos meus pares, que resumiam a política cultural aos ‘subsídios’ – que clamo por um Estatuto Profissional, então para os Actores, depois mais abrangentemente para os Profissionais das Artes Cénicas. As minhas dúvidas residem no facto de ser este Estatuto um guarda-chuva para muita e diferente gente. Um actor ou um bailarino têm especificidades, para o seu Estatuto Profissional, muito diversas das de um pintor e este de um escritor. Mas, aguardemos e registemos, antes de tudo, o significado da decisão e a intenção que a ele preside. Tanto mais quanto vem isto acompanhado do combate à precarização dos trabalhadores nesta área.
Entretanto, o reforço de verbas será (sempre) insuficiente, ainda mais dado o estado calamitoso a que a área da cultura chegou por via de desinvestimento e desinteresse ao longo de anos e anos. Mas justamente porque os meios não são infinitos, importa que o reforço financeiro seja acompanhado de um esforço estratégico. Desde logo, acabando com o ‘vício’ do poder político tender a olhar para a cultura de um ponto de vista assistencialista, numa atomização de verbas sem sentido. Mais, sim; melhor também.
Ainda que, no quadro presente, seja inquestionável a necessidade assistencialista (em conjugação com a Segurança Social), seria trágico que ficasse por cumprir um desígnio de claras opções estratégicas, estruturadas e estruturantes, que não devem ser confundidas com essa outra necessidade assistencial (ou de solidariedade, se se preferir o nome). Isso e reconduzir verbas (e exigência no seu destino) para menos política de eventos e mais políticas de captação, fidelização e formação de públicos – de forma alargada (que é como quem diz democrática) – parece essencial. Garantir uma mais ampla fruição dos bens culturais é o cerne da democratização da cultura. Não se esgota aí, mas é aí onde o mais importante se joga para o futuro de um povo. Democratizar o acesso (que não é ‘baixar’ preços, muito menos a qualidade e o valor intrínseco das artes) sobrepõe-se à ‘massificação’ de ‘criadores’ em série.
Dito isto, fique claro que, para lá de reticências, são (finalmente) boas as notícias que se esperam para a Cultura.
Parabéns, Senhora Ministra, parabéns, Senhor Ministro das Finanças, parabéns, Senhor Primeiro-Ministro. E, por favor, não estraguem, nem deixem estragar depois, o esforço feito…