Governo esqueceu-se das campanhas eleitorais no combate à corrupção?

Ministra da Justiça abriu ciclo de debates na Universidade Católica sobre criminalidade económico-financeira. Organizadores apontaram algumas falhas à estratégia do executivo.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Por que razão a estratégia de combate à corrupção recentemente apresentada pelo Governo é omissa no que diz respeito ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais? E por que motivo também não diz uma palavra sobre as autarquias, onde este fenómeno tem surgido também com demasiada frequência?

As perguntas partiram de um juiz do Tribunal de Contas, Mouraz Lopes, e tiveram como destinatária a ministra da Justiça, que esta segunda-feira inaugurou um ciclo de debates na Universidade Católica de Lisboa sobre o tema. Apesar de se prolongar por 78 páginas, o documento que define as prioridades do Governo nesta matéria até 2024 descarta, por omissão, estes dois sectores particularmente permeáveis ao desvio dos bens públicos para usufruto privado, apontou o magistrado.

No caso do financiamento partidário, Francisca Van Dunem recordou que quer a Entidade das Contas, que funciona junto do Tribunal Constitucional, quer a Entidade da Transparência, que só avançará no ano que vem, já têm essa missão de fiscalização. Podem é não ter as condições de funcionamento ou o enquadramento institucional mais adequado, admitiu a governante, que considera a legislação existente neste capítulo suficiente. “Aqui a questão que se coloca é de meios, de organização”, observou, depois de Mouraz Lopes recordar que o problema já foi inclusivamente alvo de recomendações por parte do Grupo de Estados Contra a Corrupção (Greco), organismo que funciona no seio do Conselho da Europa.

E foi também o mesmo juiz a lembrar que a extinção da Inspecção-Geral da Administração Local, em 2011, criou um certo vazio na fiscalização da actividade autárquica – uma vez que as suas competências nunca foram completamente absorvidas pela Inspecção-Geral das Finanças. “A dimensão autárquica é um ponto crítico ao nível das patologias financeiras, criminais e administrativas”, observou, para sugerir uma eventual alteração da lei orgânica do Tribunal de Contas que lhe permita alargar os seus poderes a este nível. “A estratégia contra a corrupção não tem nenhuma previsão específica nesta matéria”, admitiu, na resposta, Francisca Van Dunem, dando razão ao seu interlocutor: “O Tribunal de Contas pode desempenhar este papel com grande proficiência.”

Inquirida por outro dos organizadores do debate, o jurista Paulo Pinto de Albuquerque, sobre a possibilidade de criação de secções especializadas na criminalidade económico-financeira dentro dos tribunais comuns, a ministra da Justiça apresentou a questão com um problema grave mas inultrapassável, dado o impedimento constitucional de criação de tribunais especializados. “É um dos grandes problemas que temos hoje: estes processos podem calhar a um juiz que não tenha experiência neste fenómeno”, reconheceu.

Representante de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos durante os últimos nove anos, Pinto de Albuquerque garantiu-lhe que não é bem assim: países como a Alemanha, com um quadro legal próximo do nosso, ultrapassaram esse obstáculo. “E a Constituição não foi nenhum impedimento”, assinalou este especialista. 

A estratégia do Governo contra a corrupção encontra-se em fase de consulta pública até ao próximo dia 20 de Outubro. Segundo a ministra, o documento faz um “apelo às armas” contra aquilo que considera ser uma tragédia social. 

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