Dois homens fortes de José Eduardo dos Santos vão ser interrogados pela justiça angolana
Os generais Kopelipa e Dino vão comparecer esta terça-feira no Departamento de Investigaçao e Acção Penal angolano para prestar declarações, no âmbito do processo de desvio de dinheiros públicos de que foram constituídos arguidos no final de Setembro.
Dois dos homens mais poderosos da Presidência de José Eduardo dos Santos, os generais Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldo Nascimento “Dino”, são ouvidos terça e quarta-feira na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), confirmou o PÚBLICO junto da Procuradoria-geral da República de Angola (PGR). Tudo indica que irão prestar declarações no âmbito do processo relacionado com a China International Fund (CIF).
O general Kopelipa e o general Dino foram constituídos arguidos a 29 de Setembro, acusados, entre outros crimes, de peculato e branqueamento de capitais, no âmbito da investigação ao empréstimo de 2,5 mil milhões de dólares concedido a Angola pelo Banco Industrial e Comercial da China para a construção do projecto urbano do Zango, no município de Viana, arredores de Luanda.
A suspeita do Ministério Público angolano é que os dois homens fortes do regime de Eduardo dos Santos se tenham apropriado da linha de crédito, concedida em 2010, através do CIF, que é na verdade uma empresa privada cujo nome induz em erro, confundindo-se com um fundo público chinês, que era detido em 60% por Sam Pa, um antigo oficial dos serviços secretos chineses, preso desde 2015 por desviar dinheiro do Estado chinês nos negócios de petróleo com Angola.
Também estão constituídos no processo dois advogados que surgiam como detentores dos restantes 40% da CIF, Fernando Gomes dos Santos e Samora Borges Sebastião Albino. Em Fevereiro, a PGR apreendeu mais de mil imóveis inacabados, e terrenos nas urbanizações Vida Pacífica e no Kilamba, nos arredores de Luanda, bem como os edifícios de 25 andares CIF Luanda One e CIF Luanda Two, no centro de Luanda, pertencentes à CIF, CIF Angola e CIF Hong Kong.
Para a PGR tratava-se apenas da tomada de posse de bens públicos, porque tinham sido adquiridos com recursos a fundos públicos e estavam na posse indevida de empresas privadas. Fernando Santos e Samora Borges, que funcionariam como testas-de-ferro dos dois generais, também estão constituídos arguidos no processo-crime n.º 12/2020, de acordo com informação avançada pelo site Maka Angola.
No final de Julho, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR também nacionalizou o grupo Media Nova (da TV Zimbo, do diário O País e da Rádio Mais), pertencente a Kopelipa e Dino e também ao ex-vice-Presidente Manuel Vicente, entregando-o ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social. Mais uma vez com a justificação de que haviam sido adquiridos com dinheiros públicos.
E estas não foram as primeiras tomadas de posse de bens da CIF, nem as entregas voluntárias por parte dos generais. Em Abril do ano passado, a PGR anunciou a recuperação mais de 300 milhões de dólares destinados à construção do Aeroporto Internacional de Luanda, um gigantesco elefante branco e sorvedouro de dinheiros públicos, durante anos a obra emblemática do Gabinete de Reconstrução Nacional, que provavelmente nunca chegará a existir, depois de milhares de milhões de dólares “investidos”.
Em Agosto de 2019, a Soportos entregou a concessão do porto de Luanda e do porto mineiro do Lobito ao Ministério dos Transportes, alegando que as mesmas se deveram a opções de negócio. Curiosamente, o general Kopelipa, que participou nas negociações de devolução, alegou sempre que o fazia como representante legal do proprietário da empresa, um seu familiar, de nome José Maria Cordeiro dos Santos, e que ele próprio não tinha nada a ver com a mesma. Justificando os actos como sendo decisões de negócio, por o porto mineiro do Lobito não se mostrar um investimento compensador a médio prazo e porque a Soportos negociou o fim da cessação em troca de uma indemnização.
O general Kopelipa, antigo responsável por esse Gabinete de Reconstrução Nacional, que centralizou todo o financiamento das obras de reconstrução depois do fim da guerra em Angola, em 2002, e o general Dino, militar tornado empresário que se tornou num dos homens mais ricos do país, deveriam ter prestado depoimento na semana passada, mas o interrogatório foi adiado.
Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA e da oposição em Angola, congratulou-se esta segunda-feira, em conferência de imprensa, pelo facto de o Presidente João Lourenço ter divulgado a quantidade de dinheiro desviado ilegalmente dos cofres do Estado angolano (24 mil milhões de dólares) no tempo de José Eduardo dos Santos, mas acusa o Governo de estar a usar a justiça e a luta contra a corrupção contra homens fortes do seu antecessor, sem nada fazer em relação aos que lhe são próximos.
“O combate à corrupção é dirigido, não é universal”, afirmou o líder da UNITA. “Temos casos que não tendo sido julgados, já foram feitas apreensões e foram feitos julgamentos na imprensa pública”, disse Adalberto da Costa Júnior. Se a justiça é usada como arma política, “anula o efeito” da luta contra a corrupção. Ao mesmo tempo, o Presidente continua sem comentar as alegações de desvio de dinheiros públicos contra o seu chefe de Gabinete, Edeltrudes Costa, que já mereceu até manifestações a pedir a sua demissão.