A mãe é que sabe
O recuo do Parlamento em afirmar a superioridade da residência alternada dos filhos em caso de divórcio mostra como o sistema da “mãe é que sabe” continua a ser a mentalidade dominante na sociedade portuguesa. Essa mentalidade prejudica os pais e os filhos e estimula – por parte das mães que ficaram com a tutela – o uso das crianças como instrumentos nesse mundo complicado que são as relações entre pessoas divorciadas, por vezes privando pais e filhos de conseguirem ter um relacionamento próximo do que aquele que a sociedade reserva às mães.
Como já escreveu Bárbara Wong nas páginas deste jornal, “não nos indignamos com as juízas que continuam presas ao preconceito de que mãe é mãe e pai é um acessório”. E os pais continuam a ser, em tantos casos, olhados pela justiça e pela sociedade como “acessórios”. A alteração legislativa não ia obrigar todas as crianças a viverem no sistema de residência alternada – porque há casos onde esse sistema não é a melhor opção para a criança e caberia sempre ao juiz decidir. Mas a instituição da residência alternada como o sistema natural era uma mudança relativamente à supremacia vigente da maternidade sobre a paternidade e abria uma esperança de que as futuras decisões da justiça não menorizassem o papel dos pais. Não foi conseguido. O mais que se conseguiu, depois do PS recuar, foi ficar com um texto de meias tintas que admite a solução “quando corresponder ao superior interesse da criança”.
Ficou assim: “Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com ambos os progenitores, independentemente do mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo de fixação de alimentos”.
É evidente que a residência alternada só faz sentido porque é do “superior interesse da criança” continuar a ter dois pais e não se ver privada de um deles, quase sempre o pai. Mas o que a nova lei nos diz é que essa hipótese é quase uma excepção e a mensagem que envia sobre a residência alternada é a da excepcionalidade – em vez da regra que o PS inicialmente admitiu.
Enquanto isto, vamos continuar a assistir à menorização do papel dos pais, a quem é negado, a eles e aos filhos, um direito básico. O de poderem viver normalmente. Não é mais do que isso – é só viver normalmente.