Nobel da Paz para o Programa Alimentar Mundial, a “melhor vacina contra o caos”
Agência humanitária da ONU ganhou o galardão pelos esforços na luta contra a fome e pelo apoio às populações de zonas de conflito ou afectadas por secas, cheias e furacões, durante o período crítico da pandemia.
O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM) foi galardoado esta sexta-feira com o Prémio Nobel da Paz de 2020. A agência humanitária foi condecorada pela liderança no combate à fome em todo o mundo e pelo papel importante que desempenhou no apoio às populações que vivem em zonas de conflito ou em partes do globo afectadas por fenómenos climáticos extremos.
Em tempos de pandemia e numa altura em que vários países e regiões se deparam com o agravamento do cenário socioeconómico, com a redução dos orçamentos para as organizações humanitárias e com o crescimento dos movimentos nacionalistas, proteccionistas e antidemocráticos, o Comité Norueguês do Nobel viu no PAM um bom exemplo dos méritos da abordagem “multilateralista” que entende ser fundamental para se encarar o futuro.
“A necessidade de solidariedade internacional e de cooperação multilateral é hoje mais evidente que nunca”, numa altura em que o “populismo” e “as políticas nacionalistas” estão a aumentar, disse Berit Reiss-Andersen, presidente do Comité Norueguês, justificando a entrega do 101.º Prémio Nobel da Paz ao PAM por este ser “uma força impulsionadora nos esforços para prevenir a utilização da fome como uma arma de guerra e conflito”.
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— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 9, 2020
The Norwegian Nobel Committee has decided to award the 2020 Nobel Peace Prize to the World Food Programme (WFP).#NobelPrize #NobelPeacePrize pic.twitter.com/fjnKfXjE3E
Em conferência de imprensa, esta sexta-feira, Reiss-Andersen sublinhou que a covid-19 veio “contribuir para um aumento do número de vítimas de fome em todo o mundo” e defendeu que, “enquanto não chega o dia em que teremos uma vacina médica” para travar a doença, “a alimentação é a melhor vacina contra o caos”.
Segundo os dados da ONU, há 690 milhões de pessoas (cerca de 8,9% da população mundial) em situação de fome. Devido ao impacto económico da crise provocada pelo vírus SARS-CoV-2, a organização mundial estima, porém, que mais de 130 milhões de pessoas estejam em risco de se juntar a esse grupo, durante este ano de 2020.
“O mundo corre o risco de sofrer uma crise de fome de proporções inconcebíveis se o PAM e outras organizações de assistência alimentar não receberem o apoio económico de que necessitam”, alertou Reiss-Andersen.
Responsabilidade e acção
O Programa Mundial Alimentar é uma agência da ONU, fundada em 1961, com sede em Roma (Itália). É a maior organização humanitária a nível mundial e presta assistência a 97 milhões de pessoas, distribuídas por 88 países.
WFP is deeply humbled to receive the 2020 #NobelPeacePrize.
— World Food Programme (@WFP) October 9, 2020
This is in recognition of the work of WFP staff who put their lives on the line every day to bring food and assistance to more than 100 million hungry children, women and men across the world. pic.twitter.com/cjHOtqLcLk
Num dia normal, lê-se no site da agência, o PAM tem cerca de 5600 camiões, 30 navios e 100 aviões em movimento, que transportam comida e outro tipo de assistência humanitária para quem precisa.
Durante os períodos mais críticos do confinamento, imposto por vários países por causa da propagação de covid-19, foi o PAM que assumiu grande parte das responsabilidades humanitárias a nível mundial e acorreu às necessidades das populações mais isoladas.
“As restrições globais e nacionais impostas por causa da covid-19 encerraram tudo. Mas o PAM assumiu as suas responsabilidades e foi capaz de conectar as comunidades. A determinada altura, quando a maioria ou quase todas as companhias aéreas comerciais estavam paradas, nós fomos a maior companhia aérea do mundo”, contou Tomson Phiri, porta-voz do PAM, citado pela Reuters.
We are deeply humbled to receive the #NobelPeacePrize. This is an incredible recognition of the dedication of the @WFP family, working to end hunger everyday in 80+ countries.
— David Beasley (@WFPChief) October 9, 2020
Thank you @NobelPrize for this incredible honor! pic.twitter.com/bHcS0usWQa
Ao dia de hoje, as situações de maior emergência alimentar identificadas pelo PAM encontram-se na República Democrática do Congo, na Nigéria, no Sudão do Sul, na região do Sahel, na Síria e no Iémen. O Afeganistão também é um país crítico para o PAM.
Apesar do contributo deste tipo organizações e agências no promoção da segurança alimentar e do compromisso assumido por dezenas de países para se erradicar a fome até 2030, a ONU teme que, ao ritmo como os conflitos armados, as alterações climáticas e as crises económicas têm vindo a desenrolar-se nos últimos anos, o número de pessoas em situação de fome chegue aos 840 milhões já em 2025.
“Sem palavras”
David Beasley, director-executivo do Programa Alimentar Mundial, reagiu à conquista do prémio – que vem acompanhado por dez milhões de coroas suecas (cerca de 960 mil euros) – dizendo que este é “um reconhecimento incrível da dedicação da ‘família PAM’”.
No vídeo que acompanha a mensagem escrita no Twitter, Beasley confessou ser a “primeira vez na vida” que ficou “sem palavras”, mas disse que os membros da organização espalhados pelos “lugares mais difíceis e complexos do mundo” mereceram este prémio.
Líderes políticos de todo o mundo congratularam o PAM pelo Nobel da Paz. Por cá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou que a condecoração é um “reconhecimento justo” e “necessário” e deixou um apelo aos que têm mais recursos, para que contribuam mais para a causa.
“Este reconhecimento mundial é justo, necessário e um apelo a todos, a começar pelos mais ricos – países, pessoas e instituições –, que têm de contribuir muitíssimo mais para os mais pobres, dependentes e explorados por todo o mundo”, defendeu o chefe de Estado português, numa visita a um hospital em Braga, esta sexta-feira, citado pela Lusa.
Para a edição deste ano do consagrado galardão estavam nomeadas 211 pessoas e 107 organizações, onde se destacavam a activista ambiental Greta Thunberg, o opositor político russo, Alexei Nanalny, e a Organização Mundial de Saúde.
A cerimónia de entrega do prémio terá lugar em Oslo, capital da Noruega, no dia 10 de Dezembro – o aniversário da morte do químico sueco Alfred Nobel, que idealizou a entrega destes prémios de mérito.
O Programa Alimentar Mundial sucede a Abiy Ahmed Ali, primeiro-ministro da Etiópia, que venceu o Nobel da Paz em 2019, pelos seus esforços para “alcançar a paz e a cooperação internacional”, através dos acordos de paz com a vizinha Eritreia.
Semana de prémios
O primeiro Nobel deste ano foi anunciado na segunda-feira, com o Nobel da Medicina atribuído a três cientistas – o norte-americano Harvey J. Alter, o britânico Michael Houghton e o norte-americano Charles M. Rice – pela descoberta do vírus da hepatite C.
Na terça-feira, foi a vez de se premiarem os avanços no mundo da Física, com o prémio desta categoria a ser dividido a meio: uma metade para o britânico Roger Penrose, pela descoberta de que os buracos negros são uma previsão robusta da teoria da relatividade geral de Albert Einstein, e a outra metade para o alemão Reinhard Genzel e a norte-americana Andrea Ghez, pela descoberta do objecto compacto supermaciço que está no centro da nossa galáxia.
O Prémio Nobel da Química de 2020 foi atribuído a Emmanuelle Charpentier e a Jennifer A. Doudna, pelo desenvolvimento de um método de edição do genoma, o CRISPR/Cas9. Trata-se de tesouras genéticas que conseguem manipular directamente o ADN de forma fácil e precisa.
Quinta-feira, o comité Nobel atribuiu o Prémio Nobel da Literatura à poeta norte-americana Louise Glück, pela “sua inconfundível voz poética, que com austera beleza torna universal a existência individual”. Actualmente a viver em Cambridge, Massachusetts, nos EUA, Glück, de 77 anos, é professora de Língua Inglesa na Universidade de Yale.
O Nobel da Economia será conhecido na próxima segunda-feira (12 de Outubro). Atribuído anualmente, o Prémio Nobel distingue pessoas ou organizações que contribuíram de forma excepcional nas diversas áreas referidas.