Juiz Carlos Alexandre manda julgar Hell’s Angels por tentativa de homicídio
Magistrado quer ver em prisão domiciliária algumas dezenas de arguidos que já tinham estado em prisão preventiva, mas tinham entretanto sido libertados. Há advogados vão recorrer.
O juiz de instrução criminal Carlos Alexandre remeteu esta quinta-feira para julgamento mais de oito dezenas de arguidos do caso Hell’s Angels, os motards que atacaram um grupo rival ligado ao ex-líder de extrema-direita Mário Machado num restaurante do Prior Velho, em Loures, em Março de 2018.
Dos 89 arguidos apenas um não irá a julgamento: António Costela, que foi detido, no Algarve, por posse de droga.
“Adiantamos já que, ao contrário do propugnado pelos arguidos requerentes de abertura de instrução, os autos contêm e eles foram escrutinados, indícios que se consideram fortes em ordem a submeter os arguidos a julgamento pelos crimes que lhes são imputados na acusação, com excepção de António Costela”, lê-se.
Além disso, o magistrado quer pôr em prisão domiciliária cinco dezenas e meia de suspeitos que já tinham sido libertados em Novembro passado, por excesso de prisão preventiva. O advogado que representa mais motards neste processo, José Carlos Cardoso, não se conforma com o regresso dos seus clientes à cadeia e diz que vai recorrer desta decisão: “Para agravar as medidas de coacção, o juiz invocou o perigo de fuga, o alarme social, o risco de continuação da actividade criminosa e o risco para a aquisição da prova. Ora os arguidos estão em liberdade há dez meses e nada disto se verificou.”
José Carlos Cardoso diz ainda que vai pedir, a Carlos Alexandre para que os seus clientes, mesmo estando em prisão domiciliária, possam sair de casa para continuarem a trabalhar. O advogado explica que o juiz foi, nesta decisão, mais longe que o próprio Ministério Público, que tinha achado suficiente submeter, nesta fase, os arguidos a meras apresentações quinzenais às autoridades.
Já o advogado Lopes Guerreiro, que representa o arguido Rui Martins da Silva, diz que não vai recorrer porque “neste caso, um recurso, não tem efeito suspensivo”.
“Porque se trata de uma medida de coação que foi agravada em sequência da decisão instrutória que não é susceptível de recurso porque a pronuncia é nos exactos termos da acusação. Logo a decisão da medida de coacção não tem autonomia relativamente aquela”, explicou o advogado, sublinhando que “temos de distinguir a obrigação de permanência na habitação da obrigação de permanência na habitação com pulseira”.
Na sequência da criação em Portugal de uma filial da sua grande rival a nível internacional, a Los Bandidos, ligada a Mário Machado, os membros do ramo português dos Hell’s Angels muniram-se de martelos, tubos e bastões em ferro e madeira, correntes, machadas, soqueiras, bastões extensíveis e facas antes de rumarem ao restaurante. Do incidente resultaram seis feridos, três dos quais graves. Os arguidos foram acusados e agora pronunciados por centenas de crimes, entre os quais tentativa de homicídio, associação criminosa e detenção de armas proibidas, mas também extorsão e tráfico de droga.
O ramo português dos Hell’s Angels era na altura liderado por um mestre de artes marciais, que neste momento já ultrapassou os 70 anos, e que também é arguido no processo. Tal como um antigo skinhead conhecido pela alcunha de “Rambo”, que esteve envolvido nas agressões racistas ocorridas na noite em que morreu o cabo-verdiano Alcindo Monteiro em 1995. Trata-se do homem que alegadamente chefiava a filial da Margem Sul da mesma organização.
A Polícia Judiciária, que investigou o caso, refere-se ao ramo português como “uma estrutura criminosa, constituída por indivíduos extremamente perigosos, com vastos antecedentes criminais e larga experiência na área da criminalidade violenta e organizada”.
Na fase instrutória do processo, que é uma espécie de pré-julgamento, houve suspeitos a garantir que podiam provar ter estado noutro lado no dia do ataque.
No despacho de pronúncia, o juiz Carlos Alexandre concluiu que “este conjunto de elementos assim agrupados não é um simples clube recreativo “motard”, mas um conjunto de pessoas que se organizam em moldes paramilitares ou semelhantes ao modo de actuação de uma milícia”.
“Qualquer pessoa pode ser ‘motard’ ou não (...) mas para se fazer parte desta associação tem de se obedecer aos estatutos, o que implica obedecer às decisões do ‘chapter' ou ‘charter’, o que for, e mesmo que isso inclua, pasme-se, agressões/castigos (..) dos quais ninguém está a salvo”, escreveu o juiz.
Carlos Alexandre diz que está convicto que esta “associação e este conjunto de elementos que a integram estão em absoluta consonância, hierarquizados e imbuídos de uma obediência não só aos estatutos e às obrigações que deles decorrem, em qualquer lado onde se encontrem”.
Além disso, e seguindo o que a própria acusação do Ministério Público já defendia, de acordo com o despacho de pronúncia e no que se refere ao ataque que ocorreu no restaurante, “a actuação de todos os arguidos, membros dos HAMC obedeceu a um processo de tomada de decisão e planeamento operacional, designadamente de recrutamento/convocatória dos membros e supporters disponíveis, obtenção de armamento, vestuário de ‘camuflagem’, meios de transporte, definição de pontos de concentração e de tarefas durante o ataque, bem como de planeamento de fuga”.