Um futuro auspicioso

Música barroca pelo Le Poème Harmonique em Espinho e o jovem compositor Nuno Lobo com o Quarteto Tejo na Casa da Música.

 Le Poème Harmonique na 46.ª edição do Festival Internacional de Música de Espinho
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Le Poème Harmonique na 46.ª edição do Festival Internacional de Música de Espinho cortesia Festival Internacional de Música de Espinho
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cortesia Festival Internacional de Música de Espinho

Decorrido no Dia Mundial da Música, o segundo concerto da 46.ª edição do Festival Internacional de Música de Espinho ficou a cargo do agrupamento Le Poème Harmonique, fundado em 1998, por Vincent Dumestre.

A proposta era um interessante programa de música barroca, combinando as Leçons de Tenèbres, de François Couperin (1668-1733), com cantochão constante de um antifonário francês e outras peças religiosas de Nivers, Clérembault e do próprio Couperin. Predominando o repertório do Tempo Pascal, o alinhamento das peças, a variedade do contraponto, a segurança na execução e mesmo a variedade tímbrica das três vozes femininas contribuíram para que a prestação musical confirmasse as boas expectativas que sobre ela se tinha.

Menos feliz e com consequências sobre a fruição musical foi a concretização do habitual elemento cénico dos Ofícios das Trevas. O apagar das velas, uma a uma, entre peças, foi realizado com passos sonoros num percurso demasiado longo, quebrando a concentração na escuta e o encantamento que a música, só por si, teria conseguido.

Habitualmente realizado no Verão, o Festival de Espinho foi, à semelhança de outros, empurrado para o Outono, resumindo-se este ano a sete concertos, bem espalhados no tempo, até ao seu encerramento, a 6 de Dezembro, com outro agrupamento francês: Le Banquet Céleste.

Muito jovem e com muito menos experiência do que Le Poème Harmonique é o Quarteto Tejo, que esta terça-feira se apresentou na Casa da Música, dias depois de ser admitido na classe do luso-descendente Miguel da Silva (violetista do Quarteto Ysaÿe), no Conservatoire à Rayonnement Régional de Paris. Formado em 2019, o Quarteto Tejo conquistou, no mesmo ano, o Prémio Jovens Músicos na categoria de música de câmara e faz parte de uma novíssima geração que deixa adivinhar um futuro de uma enorme elevação artística.

Com bastante energia, o Quarteto Tejo mostrou trabalho de grande seriedade, estreando uma obra de um também muito jovem compositor portuense (em residência na Casa da Música em 2020) e atirando-se de corpo e alma ao primeiro dos três quartetos Razumovsky, de Beethoven.

Com uma linguagem um tanto convencional associada a um certo ecletismo, nas quatro miniaturas intituladas Fractures [2020], Nuno Lobo (Porto, 1996) deixa claro que aprendeu a usar os instrumentos e que se encontra ainda à procura do seu caminho. Do “ritmo tonal” a um carácter folclórico, passando pelo tom leve da citação (Schubert), assim como pela tensão de retardos que evocam o contraponto renascentista, diversos detalhes lembram uma escola holandesa muito presa às notas e ao tonalismo, pela qual Nuno Lobo passou recentemente, tendo realizado o mestrado em composição em Amesterdão.

Nos antípodas da obra em estreia, o Quarteto Op. 59 nº 1 é uma obra de grande dificuldade técnica e interpretativa e o Quarteto Tejo superou essa prova de fogo, mostrando quão elevado é o ponto de que parte este novel agrupamento. Superou-a de tal modo, com impressionante afinação e um notável trabalho de conjunto, que nos reserva espaço para pensar em questões de estilo e interpretação. Apesar de haver espaço para se mostrar mais afirmativo no primeiro andamento, o conjunto mostra um carácter mais marcado no segundo. O terceiro andamento teve alguns momentos de rara beleza, mas foi mesmo o último — Tema russo — que arrebatou. 

Acompanhemos de perto este projecto, na expectativa de que cresça e viva muitos e bons momentos e que, atrás dele, vários outros quartetos bons povoem este rectângulo à beira-mar plantado.

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