Vítimas ainda trabalham no local onde foram exploradas, revela arguido

Encarregado da exploração de azeitona garante em tribunal que os trabalhadores não eram vítimas de maus tratos. Até tinham contentores onde se alojavam com água quente, electricidade e frigorífico.

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ADRIANO MIRANDA

O processo judicial que envolve três empresas portuguesas de trabalho temporário acusadas de exploração e tráfico de trabalhadores romenos e moldavos iniciou-se esta terça-feira nas antigas instalações do Governo Civil de Beja para garantir o confinamento que não estava assegurado no Tribunal da cidade.

Dos 10 arguidos de nacionalidade romena e moldava, sentaram-se no banco dos réus cinco homens e duas mulheres, mas só dois acederam a prestar declarações ao tribunal, após terem ouvido o teor da acusação que os responsabiliza de um conjunto de sevícias que vitimou 58 cidadãos naturais daqueles dois países do leste europeu.

Um deles, que se apresentou como “encarregado”, garantiu em tribunal nunca ter exercido qualquer tipo de maus tratos aos trabalhadores que disse “coordenar” na apanha da azeitona e nos trabalhos da poda de oliveiras. “Apenas, uma vez por outra”, diz ter sentido necessidade de falar mais alto para se “fazer ouvir nas ordens que tinha de dar” às pessoas que coordenava.

E, ao contrário do que diz a acusação, “os trabalhadores tinham total liberdade e até podiam ir embora quando quisessem” garante. A sua relação com os trabalhadores não podia ser melhor, assegurou, frisando “nunca ter tido problemas com nenhum deles”. O ambiente era saudável tal como o sítio onde viviam: em contentores que “tinham electricidade, água quente, frigorífico”. Em cada um dos 25 módulos onde se albergavam os trabalhadores que dirigia, dormiam quatro pessoas, depois de terem trabalhado entre 8 e 9 horas durante seis dias por semana a receberem 3,5 euros à hora. A superfície de cada módulo oscila entre os 18 e os 24 metros quadrados, referiu.

O “bom relacionamento laboral” estendia-se aos momentos em que os trabalhadores tinham de ir às compras, às finanças ou a qualquer lado, “porque eles não sabiam português”. E até disse que estava alojado num dos contentores onde viviam trabalhadores portugueses e de outras nacionalidades. Respondendo a uma pergunta de um dos advogados, o “encarregado” afirmou que os trabalhadores que no dia 18 de Dezembro de 2018 foram identificados como vítimas de maus tratos em Alvito, “encontram-se ainda hoje em Portugal. Estão na mesma casa onde viviam e trabalham na mesma exploração”, descreveu o homem que está acusado de maus tratos.

O outro arguido que aceitou responder em tribunal, era o motorista que transportava os imigrantes romenos e moldavos. Revelou que é proprietário de uma empresa de transportes em autocarro que fundou em 2013 na Roménia. O acordo para o transporte da mão-de-obra que vinha trabalhar no Alentejo, era tratado pelo telefone e cada pessoa pagava o seu transporte no momento da partida ou no destino, no momento da chegada, se não tivesse dinheiro. Cobrava entre 120 e 130 euros por cada um dos transportados.

Explicou que não lhe competia identificar as pessoas que transportava ou se tinham documentos. “Só fazia o transporte” de pessoas.

O julgamento prossegue esta quarta-feira.

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