Quase metade da Amazónia pode passar de floresta tropical para savana
Estudo publicado na revista Nature prevê que cerca de 40% da floresta amazónica, uma das áreas com maior biodiversidade do planeta, pode vir a transitar para savana por causa dos incêndios, da desflorestação e da diminuição das chuvas.
A Amazónia pode estar perto de uma mudança sem retorno: uma grande parte da maior floresta tropical do mundo pode vir a perder as características que a distinguem e passar de uma floresta tropical fechada para uma savana aberta com menos árvores. Os detalhes desta descoberta, que os investigadores apontam ser resultado da crise climática, foram publicados esta segunda-feira, 5 de Outubro, na revista científica Nature.
De um modo geral, as florestas tropicais são muito sensíveis às mudanças do nível de precipitação e de humidade. Quando há incêndios ou secas prolongadas algumas das áreas mais afectadas podem perder árvores e vegetação característica, acabando por se transformar em zonas semelhantes a savanas ou de pastagem, regiões menos ricas e cuja vegetação predominante são as árvores ou arbustos isolados ou em pequenos grupos.
A comunidade que se dedica ao estudo destas alterações já sabia que o mesmo podia acontecer na Amazónia, principalmente devido à desflorestação, aos incêndios, à extracção de madeira e, no geral, à exploração comercial da floresta. Mas até aqui pensava-se que estas mudanças podiam demorar décadas a acontecer. Esta nova investigação conclui que cerca de 40% da floresta amazónica está agora num ponto em que pode existir como savana em vez de floresta tropical. Ainda assim, e segundo os investigadores, esta transição pode demorar anos. Uma vez iniciado, contudo, é difícil reverter este processo.
E porque é que esta mudança pode ter impacto no planeta? Primeiro porque, por um lado, a Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade registada numa área do planeta, factor que poderá ser afectado se parte da floresta passar a savana. E, segundo, porque as florestas tropicais desempenham um papel muito mais importante na absorção de dióxido de carbono da atmosfera do que as savanas.
“As florestas tropicais são importantes reguladores do clima global e a sua perda pode ter várias consequências no sistema terrestre. Além disso, estas servem de mediadores para o clima regional ao aumentarem a humidade atmosférica, o que irá ter efeitos positivos nos níveis de precipitação no período sazonal ou anual”, lê-se no estudo agora divulgado.
Em algumas regiões da Amazónia, os níveis de chuva reduziram muito devido às alterações climáticas. Em cerca de 40% da floresta, e de acordo com o estudo liderado pelo Centro de Resiliência de Estocolmo e baseado em modelos de computacionais e análise de dados, a precipitação está a um nível quase semelhante ao de algumas savanas.
Ao The Guardian, Arie Staal, principal autor do estudo, explica que, embora as florestas tropicais produzam as suas próprias chuvas auto-sustentáveis nas condições climáticas adequadas, podem também secar caso sejam sujeitas a condições inapropriadas. Assim, se grandes áreas de floresta tropical forem afectadas, os níveis de chuva na região vão diminuir.
“Condições mais secas fazem com que seja mais difícil a recuperação da floresta”, refere Staal, acrescentando que depois de a floresta tropical se ter convertido numa mistura de madeira e pastagem é improvável que volte naturalmente ao estado anterior.
O Brasil tem sido alvo de frequente pressão internacional pela preservação da Amazónia, principalmente desde os grandes incêndios de 2019. A desflorestação naquela região — que tem cerca de 5,5 milhões de quilómetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa — cresceu 34% de Agosto de 2019 a Julho de 2020 em comparação com o mesmo período anterior, segundo dados compilados anualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil.
No mesmo período, a floresta amazónica perdeu 10.129 quilómetros quadrados da sua cobertura vegetal, registando o maior nível de destruição anual desde 2008. Bolsonaro, que defende iniciativas questionadas por ambientalistas sobre a preservação do meio ambiente, incentiva a agricultura e a mineração na floresta, mesmo em áreas de protecção demarcadas onde tais actividades são proibidas.