O Outono, a idade e o futuro próximo

O modelo dos lares e centros de dia está plenamente ultrapassado. É um modelo hospitalar e industrial, de longos corredores de atitudes em linha de montagem e total ausência de autonomia. E, acima de tudo, é um modelo extremamente impessoal. E gerido de uma forma que por vezes parece ter mais por objectivo “esconder” a velhice do que celebrá-la.

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O primeiro de Outubro já sabe bem a Outono. A data escolhida pelas Nações Unidas para celebrar o Dia Internacional da Pessoa Idosa parece francamente acertada. É aquela época do ano em que os dias começam a ficar mais curtos, o tempo mais convidativo para um casaco, a lembrança da lareira começa a substituir as tardes de toalha estendida na praia. Uma metáfora bem ajustada.

Contudo, desta vez vi mais Inverno. A exploração mediática deste dia foi feita com foco no idoso mais frágil, nos centros de dia, nos lares e nos cuidadores informais. Sempre que falamos de idosos, temos tendência de o fazer pelo prisma do passado. Parece-me estranho que numa época em que sabemos tão bem que a pirâmide etária vai continuar a crescer no topo, e que os idosos serão em breve a faixa dominante da população, não tenhamos melhores planos para o que aí vem. Hoje são cerca de 10% da população, em menos de 30 anos serão quase 25%, com uma grande percentagem a viver só.

Quase todas as gerações de idosos foram semelhantes até este início de século. Mais ou menos a mesma origem humilde, mais ou menos a mesma esperança de vida, mais ou menos a mesma dependência física, económica ou social nos últimos anos de vida. A resignação fazia parte do léxico, ir-se “depressa e bem” fazia parte do melhor a que se podia aspirar.

Mas esse cenário será parte do passado em breve. A geração que vem ocupar a faixa mais velha nos próximos anos vai ser mais urbana, escolarizada, de outro estrato socioeconómico, com outra relação com a tecnologia. As aldeias estão desertas. Os cafés e os parques fazem cada vez menos parte da vida urbana e dos núcleos relacionais. A emigração dos mais jovens continua a ser uma realidade indesmentível e as famílias nucleares clássicas são mais raras.

Quer isto dizer que temos necessariamente de repensar o modelo social que vai acolher estas pessoas e, eventualmente, a nós. Nem todas irão querer estar o dia inteiro no seu apartamento, outras não terão essa oportunidade, nem todas vão manter a autonomia para o fazer. E aqui não estamos a falar obrigatoriamente de demência, mas o caminho para a prevenir é tão biológico como comportamental. E as soluções comunitárias existentes hoje em dia são totalmente desadequadas para manter um padrão de qualidade de vida.

O modelo dos lares e centros de dia está plenamente ultrapassado. É um modelo hospitalar e industrial, de longos corredores de atitudes em linha de montagem e total ausência de autonomia. E, acima de tudo, é um modelo extremamente impessoal. E gerido de uma forma que por vezes parece ter mais por objectivo “esconder” a velhice do que celebrá-la, salvo raras excepções que raramente vemos a trabalhar no terreno.

Apesar de alguma escassez de projectos europeus, existem cada vez mais modelos experimentais e estudos a explorar a realidade de que a velhice não tem que ser isolada e pouco estimulante. Na Holanda e Suécia são notícia projectos residenciais que juntam jovens e idosos, que criam uma ideia de comunidade, que mantém os laços e o foco na boa disposição, na aprendizagem, na troca de conversas e de ajuda entre gerações, com apoio da tecnologia e o do humanismo.

Combate-se o estigma da solidão e o medo de viver só, mesmo para quem esteja totalmente autónomo e simplesmente tenha a família longe. Imaginem a qualidade de vida de alguns idosos que conhecem bem... e que gostavam que tivessem a oportunidade de estar diariamente tão rodeados de energia e de cuidados como quando a família faz o almoço de domingo.

Ao mesmo tempo, se estes locais forem regularmente visitados por uma equipa de saúde, o ganho e o desembaraço que se permite aos sistemas de saúde pode ser de uma dimensão verdadeiramente essencial para a sua estabilidade futura. Já existem equipas dedicadas a hospitalização e consulta domiciliária, o seu caminho está trilhado e acessível a crescimento.

Aproveitemos a data e celebração. Há que trazer este assunto para a agenda pública. Discutir, propor, planear, legislar. Pede-se uma ideia de escala local, de carácter personalizado, de atenção aos anos justamente ganhos de descanso e conforto após uma vida de trabalho.

Ser um sénior não tem de ser um castigo conquistado pela audácia de lá chegar. É preciso avançar na mentalidade e normalizar a grande idade. É preciso uma casa viva ao fundo da rua, de dimensão humana e pessoal, uma nova comunidade reinventada para explorar e partilhar os bons momentos das belas tardes outonais.

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