Na Gaiurb acredita-se que a pedalar também se faz cidade

Funcionários da empresa municipal de Urbanismo de Gaia começaram a fazer deslocações de serviço em bicicleta, e a administração já pensa em adquirir mais veículos

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Em Gaia as ciclovias existentes foram pensadas para deslocações em lazer Nelson Garrido

Na semana passada, a arquitecta Carla Pires tinha uma reunião na Comissão de Coordenação da Região Norte, no Porto, mas 15 minutos antes ainda estava no outro lado do rio, na sede da Empresa Municipal de Urbanismo e Habitação de Gaia, a pegar numa das bicicletas que a Gaiurb passou a disponibilizar aos seus funcionários. Ia atrasar-se, pensou. Chegou aos jardins da sede daquele organismo regional um minuto depois da hora, após atravessar o Douro, e subir a íngreme rua de D. Pedro V. Há semanas que uma parte das rotinas desta empresa se faz em duas rodas, e já se pensa em comprar mais biclas para deslocações de serviço. E lá dentro, assume-se a expectativa de que isto possa mudar a forma como se planeia a cidade.

Para já são quatro bicicletas. Parece pouco, mas dado o panorama nacional, perceber que numa cidade da dimensão de Gaia uma empresa municipal se deu ao trabalho de iniciar uma reflexão, questionar os funcionários e, finalmente, celebrar a Semana Europeia da Mobilidade colocando esta alternativa ao dispor de 250 pessoas, ainda é notícia. Mais ainda porque, passadas poucas semanas desde a entrada em funcionamento do projecto-piloto, o que já se discute, admite o presidente da empresa, é o alargamento da oferta depois de 21 de Dezembro, data da conclusão da primeira fase, tendo em conta que 80% dos técnicos que ali trabalham admitiram estar disponíveis para usar este veículo nas deslocações de serviço. 

Bicicletas made in Gaia

As biclas são eléctricas, e de uma nova marca portuguesa, a Beeq, saída da fábrica de Gaia da RTE, a maior montadora de bicicletas nacional e uma das responsáveis pelo facto de Portugal ter sigo, em 2019, o país europeu que mais velocípedes fabricou. A opção pela assistência motorizada à pedalagem decorre da grande diferença de cotas entre a beira-rio, onde está a sede da Gaiurb, e outros edifícios onde decorrem reuniões de trabalho, entre eles, desde logo, o da própria Câmara de Gaia, na Avenida da República, ao qual António Miguel Castro, o presidente da empresa municipal, tem ido, sempre que pode, colina acima.

O projecto, integrado na política de sustentabilidade da Gaiurb, é encarado também como uma forma de reforçar os laços da equipa. Carla Pires, responsável pela área de inovação na empresa, explica que se procurou perceber quem já tinha hábitos de utilização da bicicleta e disponibilidade para assegurar operações básicas de manutenção deste equipamento e até para realizar oficinas em que isso possa ser ensinado aos colegas. Pelo meio, também internamente, está a ser criada uma app para ajudar a gerir esta frota (agendar uma utilização, por exemplo), definir os melhores percursos, em termos de tempo, e perceber o impacto ambiental desta opção. 

O impacto interno, para a Gaiurb, é óbvio. Com as deslocações em transportes condicionadas​ por causa das limitações de lotação que a covid-19 impõe, ter uma alternativa individual, que não sendo zero emissões, por necessitar de energia, não deixa de ser mais limpa que um carro, é uma vantagem. Mas António Miguel Castro espera que o projecto acabe por se reflectir na maneira como os técnicos que ali trabalham – maioritariamente arquitectos e engenheiros, e numa faixa entre os 30 e os 50 anos, muitos deles – encaram a própria cidade e o seu planeamento

A Gaiurb tem a seu cargo a revisão do Plano Director Municipal de um concelho que, como muitos, no país, apostou em ciclovias em circuitos eminentemente de lazer. E na Semana Europeia da Mobilidade, os técnicos envolvidos no PDM participaram num périplo de vinte quilómetros em que puderam perceber o quão difícil é cumprir as deslocações quotidianas em duas rodas. Habituado a elas, e treinado para antecipar os obstáculos e contorná-los, o presidente da empresa assume não ter tido dificuldade, mas notou, nos funcionários que o acompanhavam, o desconforto. "É isso que nos faz desistir e pegar no carro”, admite.

Perceber os constrangimentos

“Estamos a fazer isto também para entender os constrangimentos que os cidadãos vivem”, explica António Miguel Castro, esperando que isso acabe por se reflectir no desenho do próprio concelho. Responsável, antes de chegar à Gaiurb, por uma empresa ligada às cidades inteligentes, este engenheiro com formação na área da eficiência energética admite que a bicicleta, uma tecnologia inventada há duzentos anos, tem o potencial de resolver uma parte dos problemas actuais de mobilidade nas cidades, ajudando à respectiva descarbonização. Mas considera que, para além de infra-estrutura, o país tem de apostar na pedagogia e na comunicação, para explicar isso às pessoas. 

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Para já, em Gaia, há engenheiros e arquitectos – pessoas que nos habituamos a ver andar de carro, que é ainda um símbolo de status – a visitar obras e a chegar a reuniões numa bicicleta. Que, sendo eléctrica, não deixa, admitem Carla Pires e António Miguel Castro, de poder contribuir para uma mudança de percepção, por parte dos cidadãos do concelho, sobre o potencial deste modo de deslocação. Com mais funcionários a olharem para a experiência como um abrir de portas a uma mudança pessoal, o desafio, agora, é instalar balneários e adquirir o equipamento necessário para que, mesmo durante o Inverno, não haja desculpas para ir de carro aos lugares onde, em duas rodas, se chega, quantas vezes, “depressa e, ainda assim, mais tranquilamente”, nota a arquitecta.

 
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