Conclusões a tirar de uma “crise insana” que não existe

1. Geringonça, pelo menos, mais um ano

PS, BE, PCP, Os Verdes e PAN. Foram estes partidos que viabilizaram os orçamentos do primeiro Governo de António Costa e são estes que voltaram de novo à mesa de negociações. António Costa garante que as conversas estão bem encaminhadas. Esta quinta-feira foi o primeiro dia em que o primeiro-ministro não disse que poderia vir aí uma crise: “Já nos chega a crise sanitária, mais a crise económica, mais a crise social, para que haja uma crise política a acrescentar a isto tudo”. A crise fica, pois, adiada. Em Setembro do próximo ano logo se verá, como admite Augusto Santos Silva, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença

2. A atracção pelo PCP

O que se percebe? Que António Costa nunca quis fazer acordo só com um dos ex-parceiros, nomeadamente, o BE (que sempre mostrou maior abertura), e que se esforçou por reatar a ligação com o PCP, que estava mais relutante. Os comunistas, aliás, também registam uma estreia: apresentaram em conferência de imprensa, enquanto as negociações decorrem, uma lista com 46 propostas. O PCP quer, acima de tudo, aumentar o nível de protecção social, incentivos aos rendimentos, reforço de serviços públicos. O PS quer assegurar paz social para os próximos 12 meses.

3. PSD tem de ficar bem longe

Quanto mais o PCP se aproxima, mais isso significa que não haverá medidas de orçamento negociadas entre Governo e o PSD. Os comunistas votaram contra o Orçamento Suplementar numa atitude que foi vista como um irrevogável e progressivo descolamento do PS, mas há um factor importante a reter. O PSD absteve-se nesse Suplementar, contribuindo para a sua viabilização (tal como o BE e PAN). O PCP nunca na vida votaria ao lado do PSD num Orçamento. Ora, Costa anda a negociar várias coisas com Rui Rio, mas não conta com ele para o OE. É curioso que o próprio Rui Rio assumiu isso sem qualquer melindre esta semana. Sendo “um Orçamento construído à esquerda”, na fase de especialidade, o PSD “apresentará propostas nevrálgicas, estratégicas que provavelmente serão chumbadas”, disse, na quarta-feira.

4. Puxão de orelhas de Marcelo

Mas então por que razão Marcelo veio lembrar ao líder do PSD todas as vezes que ele, enquanto presidente do PSD, viabilizou Orçamentos do PS (em 1997, 1998 e 1999)? Estes apelos do Presidente da República servem para lembrar a Rio o passado do partido, para mais em momentos em que o partido parece entrar em contradição consigo próprio. Refiro-me, por exemplo, ao caso do Novo Banco em que o PSD tem alinhado com as críticas do BE, quando a responsabilidade da solução para o antigo BES também passou pelo Conselho de Ministros do então governo social-democrata, liderado por Pedro Passos Coelho. A forma como Rio se tem posicionado no que diz respeito às polémicas sobre o Novo Banco tem causado perplexidade em Belém. O Novo Banco é um problema no OE negociado à esquerda. Será que PSD ainda será preciso para ajudar neste dossiê?

5. Lista de reivindicações mais duras

Um acordo entre o Governo e os seus ex-parceiros feito nas actuais circunstâncias pode custar muito mais a Costa do que se o tivesse conseguido fazer em 2019. Esta quinta-feira, enquanto decorria um braço de ferro entre BE e Governo em torno de uma diferença de 63 euros na nova prestação social para apoiar quem ficou mais desprotegido da crise, Catarina Martins pedia ao Governo “mais concretização e menos jogo político e chantagens”. O PCP, por seu lado, não perde de vista que 2021 é ano de eleições autárquicas. Em 2017, perdeu uma grande parte dos seus bastiões e a direcção comunista assumiu que essa perda tinha resultado, em parte, do facto de as pessoas não terem percebido a importância do papel do PCP na geringonça. “Muitas das pessoas ainda não ganharam a consciência da contribuição decisiva do PCP em muito do que foi alcançado na reposição e conquista de direitos e de que reside no reforço do PCP e do PEV, e não no PS, a possibilidade de assegurar que esse caminho prossiga e se amplie”, lê-se no comunicado do Comité Central de 3 de Outubro de 2017. O PCP não fará agora novo acordo em vésperas de autárquicas a troco de pouco. Anote-se ainda que no Conselho de Ministros desta quinta-feira, o Governo aprovou medidas que ainda pertenciam ao OE20 e que estavam por cumprir (admissão de mais funcionários públicos na área da saúde, por exemplo) pois os parceiros não aceitavam a seriedade das negociações de outro modo.



 

 

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