Uma fotografia no telemóvel: os rostos das mortes por covid-19 na Índia
Oito meses depois de a pandemia ter chegado à Índia, registam-se quase 100 mil mortes no país. As famílias queixam-se da falta de acesso e qualidade dos cuidados de saúde. A insegurança e o preconceito fazem com que nem sequer tenham oportunidade de se despedirem dos seus entes queridos.
Oito meses depois de o novo coronavírus ter chegado à Índia, as mortes causadas pela doença poderão ultrapassar as 100 mil a qualquer momento. No total, já foram infectadas 6,5 milhões de pessoas, número apenas ultrapassado pelos Estados Unidos.
A agência Reuters esteve à conversa com familiares de 30 pessoas que morreram com a doença na Índia. Desde Querala, na costa Sul do país, até à província de Caxemira, no sopé dos Himalaias, a Norte. Pessoas comuns de todas as classes sociais, incluindo polícias e médicos que combateram o vírus na linha da frente.
Num país que ainda é conservador e que se encontra em desenvolvimento, alguns dos familiares das vítimas referiram que sofreram represálias após se saber que pessoas próximas tinham sido infectadas pelo vírus. Outros referiram que enfrentaram depressões e problemas monetários. Todos consideram que podia ter sido feito mais para salvar as pessoas que faleceram.
Vida depois da morte
Javed Ali, um médico de Nova Deli, morreu em Julho com 42 anos. A mulher, Hena Kausar, também médica e agora única cuidadora de dois filhos, confessa que não sabe o que irá fazer sem o marido. “A nossa vida mudou”, diz. “Eu quero continuar a ser médica mas tenho de escolher entre o trabalho e as crianças.”
Por sua vez, Fardeen Khan perdeu a mãe — Noor Jahan — em Junho. Já perdera o pai em 2018. “Não tenho apoio financeiro, agora”, admite. “Não tenho trabalho.”
Para alguns destes familiares, não foi fácil lidar com algumas das reacções das autoridades e dos vizinhos ao seu luto.
O marido de Sunita Patel, Vivek, um professor de música de 46 anos, morreu em casa antes de ter conseguido uma cama no hospital. Na manhã seguinte, conta, trabalhadores municipais foram a sua casa enquanto gritavam para os habitantes saírem para serem levados para um centro de quarentena.
“Não tiveram qualquer respeito pelo facto de ter havido uma morte na família no dia anterior, e nós estamos de luto”, refere.
Também Nadeem Akhtar deixa críticas às autoridades. Em Abril, perdeu a irmã, Shabana Ahmed, uma arquitecta de 52 anos que faleceu em Nova Deli. “Aquilo que me incomodou ainda mais do que o sistema de saúde foi o comportamento da sociedade”, confessa. “O bairro onde a minha irmã vivia boicotou toda a sua família. Não houve qualquer apoio emocional ou moral depois da morte dela. A sociedade falhou-nos.”
Oportunidades perdidas.
O frágil e rudimentar sistema de saúde da Índia debate-se para conseguir lidar com enorme número dos casos de covid-19 no país. Muitas das famílias de vítimas dizem que houve hipóteses de curar os infectados que não foram aproveitadas.
Jamal Khan, um agricultor de 41 anos, teve febre no mês de Agosto, enquanto estava no distrito de Bijnor, no estado mais populoso da Índia, Uttar Pradesh. O seu irmão, Asim, diz que os médicos não conseguiram diagnosticar a infecção por covid-19. Só quando foi transferido para Nova Deli, dez dias depois, é que o vírus foi detectado. Nessa altura, os pulmões já estavam afectados e morreu pouco depois, segundo Asim.
“Se ele tivesse sido diagnosticado a tempo, no local de onde era natural, claramente que teria sobrevivido”, considera o irmão.
O marido de Rekha Khandait — Jayant, de 58 anos — é um dos mais de 200 polícias que morreram por causa do vírus só no estado de Maharashtra. Rekha é uma das várias pessoas que diz que a falta de oxigénio contribuiu para a morte. “Não consigo acreditar que já passaram seis meses. Ainda não contei sobre ao nosso filho que o pai morreu”, refere.
Tilak Raj, um engenheiro informático de 38 anos, afirma que quando a sua mãe, Krishna Devi, foi hospitalizada não havia botijas de oxigénio na ambulância. Quando chegaram ao hospital, a que forneceram ficou vazia em cinco minutos. “Se tivéssemos um serviço de saúde melhor, a minha mãe teria sobrevivido.”