Kid A mudou a trajectória dos Radiohead. Agora há um livro sobre esse disco

This Isn’t Happening: Radiohead’s ‘Kid A’ and the Beginning of the 21st Century dá conta da paixão de Thom Yorke pela música electrónica e da reacção adversa ao sucesso de OK Computer que marcaram a gravação de Kid A. Álbum faz hoje 20 anos.

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Thom Yorke em Setembro de 2000 Paul Bergen / Getty Images

A editora Hachette Books lançou esta terça-feira This Isn’t Happening: Radiohead’s ‘​Kid A’​ and the Beginning of the 21st Century, livro do crítico Steven Hyden que explora a forma como os Radiohead se transformaram pessoal e artisticamente durante a criação de Kid A, álbum que celebra 20 anos esta sexta-feira.

Editado três anos depois de OK Computer, que contém muitas das mais conhecidas canções do quinteto liderado por Thom Yorke (de Karma Police a No Surprises, de Paranoid Android a Let Down, de Exit Music a Lucky) e que até hoje aparece com insistência nas listas de melhores discos de todos os tempos, Kid A marcou um importante ponto de viragem para os Radiohead, que entraram no novo milénio mais interessados em programadores e loops do que em guitarras. Convém notar que o álbum foi escrito pouco depois de Yorke devorar grande parte do catálogo da editora Warp Records, casa da dupla Boards of Canada e de figuras como Aphex Twin, um dos mais enigmáticos e brilhantes nomes da música electrónica.

Mas tão ou mais preponderante que essa relativa renúncia ao rock (que não deixa de ser relativa: não é que Kid A não tenha faixas como Optimistic ou The National Anthem…) acabaria por ser a relutância de Thom Yorke em se afirmar como uma “estrela” (Steven Hyden escreve que, em 2000, a expectativa era que o sucessor de OK Computer fizesse dos Radiohead “os novos U2, assim como [o álbum] The Joshua Tree transformou os jovens U2 ‘nos’ U2”). No início do primeiro capítulo de This Isn’t Happening — a que a publicação norte-americana Pitchfork teve acesso quatro dias antes da saída do livro —, Hyden detalha os “dois esgotamentos nervosos” que o vocalista, letrista e compositor teve antes e depois de um concerto em Novembro de 1997 (meses antes de os singles de OK Computer acelerarem as vendas de um disco que não foi um sucesso comercial imediato), um episódio que motivaria um longo período de “writer’s block” (“bloqueio de escritor”, na tradução literal, ou “bloqueio criativo”).

O título do livro faz referência ao refrão de How To Disappear Completely, canção na qual Yorke canta “I’m not here/ this isn’t happening” (“Eu não estou aqui/ isto não está a acontecer”). A frase, rezam os populares, veio de Michael Stipe, vocalista dos R.E.M. que terá dito ao britânico que a melhor forma de afugentar as pressões de aparentemente intermináveis digressões era repetir incessantemente aquele mote na sua cabeça. Este não terá sido, de resto, o único verso no álbum a surgir de conversas espontâneas: Rachel Owen, companheira de Thom Yorke que morreu em Dezembro de 2016, vítima de cancro, dizia várias vezes “Try the best you can, the best you can is good enough” (“Tenta o melhor que consegues, o melhor que consegues é suficiente”), frase com a qual tentava acalmar um preocupado Yorke e que o artista transportou para o refrão de Optimistic.

Um “brinquedo” novo

Hyden explica que, no início, nem todos os membros da banda ficaram entusiasmados com o salto para a música electrónica. Gravações em Paris (onde o grupo compôs uma primeira versão do tema In Limbo, na altura ainda provisoriamente intitulado Lost At Sea) e em Copenhaga trouxeram mais frustração do que criatividade: os Radiohead gravaram horas de improvisação solta e faixas inacabadas, que não corresponderam às expectativas de alguns e agravaram as reticências de outros. Yorke lembrava com alguma frequência a ética de trabalho dos alemães Can, que, assinala Hyden, “tocavam infinitamente no estúdio e depois editavam os melhores pedaços”.

Finalmente, de volta a Inglaterra, surge o momento desbloqueador: Yorke senta-se à frente de um piano que não sabe tocar — apesar de “achar as suas limitações inspiradoras” — e escreve uma espécie de balada com letras não particularmente decifráveis sobre a noite dos dois esgotamentos nervosos. “Ele mostra-a ao produtor Nigel Godrich [que acompanha os Radiohead desde OK Computer], que não fica demasiado convencido. Os dois tocam-na então num sintetizador Prophet-5 enquanto [o guitarrista] Jonny Greenwood manipula a voz doce de Yorke, transformando-a num sussurro adulterado de um ciborgue com um Kaoss Pad, um processador de efeitos criado pela empresa japonesa Korg no meio da maratona de gravações dos Radiohead em 1999. Um brinquedo novo que produz um som completamente novo e alienígena. A canção é ‘o’ grande avanço.” A canção era Everything In Its Right Place, faixa que abre Kid A e que, metaforicamente, “abriu” o campo para a banda assinar uma das suas obras-primas (uma obra-prima que na sua primeira música tem o verso “Yesterday I woke up sucking a lemon” [“Ontem acordei a chupar um limão”], é sempre bom lembrar).

This Isn’t Happening: Radiohead’s 'Kid A' and the Beginning of the 21st Century, promete a Pitchfork, liga, com níveis variados de previsibilidade, o impacto cultural do disco a “bandas como os Linkin Park, blockbusters surreais e misantrópicos como Fight Club ou Vanilla Sky, a passagem da Internet de um sonho utópico para um pesadelo distópico e a tragédia do 11 de Setembro”. O livro de Steven Hyden, que também tem no currículo a obra Your Favorite Band Is Killing Me, pode ser comprado no site da Hachette Books.

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