A Quinta do Ferro protesta por habitação digna
A Quinta do Ferro tem problemas estruturais, com muitas das casas não tendo sequer casas de banho ou acesso a água corrente e luz.
Cerca de 20 pessoas reuniram-se na tarde desta quarta-feira junto aos Paços do Concelho, sede da Câmara Municipal de Lisboa, para reivindicar melhores condições para os moradores do Bairro da Quinta do Ferro, em Lisboa. O protesto decorreu antes da reunião pública de câmara, onde pelo menos uma das moradoras interveio. Organizado pela Stop Despejos (plataforma que luta pelo fim dos despejos e melhores condições de habitação na cidade) e pela Habita!, outra associação de activismo pela habitação, contou com a presença de vários habitantes do bairro lisboeta que alguns habitantes apelidam de “favela”.
As razões já são conhecidas: a Quinta do Ferro tem problemas estruturais, com muitas das casas não tendo sequer casas de banho ou acesso a água corrente e luz. Marta vive há pouco tempo no bairro, onde tem de tomar banhos de mangueira. “Há cinco anos que as coisas estão assim, mas vão piorando de dia para dia. A Câmara [que detém mais de metade dos terrenos] não arranja solução, ou não querem saber”, diz. Há também um chafariz comum, que por pressão dos moradores não foi retirado. Muitos são forçados a utilizar uma vala para se desfazerem de dejectos devido à falta de saneamento das casas.
São muitos os residentes que vivem em casas em condições insalubres, alguns em risco de despejo do lugar onde vivem há anos. É o caso de Lina Silva, que recebeu há dias uma ordem de despejo avisando que tem “vinte dias para sair”. Afirma que nunca desistiu de se candidatar a programas de habitação da autarquia, mas não tem tido sucesso e não sabe o que fazer. “A minha casa está em ruínas. A casa por baixo, embargada e com tijolos. Se cair, eu morro. Esteve lá a Protecção Civil, que fez um relatório para a Câmara Municipal, mas não vejo uma resposta de ninguém. Casas dignas para a Quinta do Ferro é o que é preciso”, conta.
No entanto, as “casas dignas para a Quinta do Ferro”, uma frase repetida em cartazes e gritada em megafones, tardam em chegar. Em 2016, foi aprovado um projecto de reabilitação no concurso BIP/ZIP, que continua parado. O que se angariou, mais de 50 mil euros, não foi utilizado. “Com esse dinheiro não podíamos ter feito uma reabilitação no bairro? Onde há ratos, há mau cheiro, há pessoas sem água, pessoas sem luz... Isto para a nossa saúde não é bom. Vivo na Quinta do Ferro há cinco anos e estou muito cansada de lá viver. Venho aqui pedir aos vereadores da habitação que ponham os olhos na minha situação, porque estou prestes a tornar-me sem-abrigo”, desabafa.
Alguns moradores dizem também que há falta de transparência na comunicação com os senhorios uma vez que alegam que muitos não se identificam devidamente. “A minha senhoria faleceu e apareceu-me lá uma senhora a dizer que era a procuradora daquele espaço. Não se identificou, e passados dois meses chega-me uma carta” de despejo, conta Lina Silva, que está desempregada e perdeu o subsídio que recebia da Santa Casa da Misericórdia. É a primeira vez que está nesta situação. Marta afirma que também teve contacto com alguém que dizia ser senhorio mas alegadamente não teria a documentação adequada.
Apesar da maior cobertura na comunicação social, o bairro continua a ser tratado da mesma forma pela autarquia, segundo os moradores e a Habita!. “Os três pelouros implicados, o urbanismo, a habitação e assuntos sociais, assobiam para o lado a toda a hora. Esta história mostra-o muito bem. Há planos aprovados pela própria Câmara, mas acredito que há outros interesses que se sobrepõem e que conseguem impor a sua vontade aos bairros. Numa altura em que está muito difícil fazer as pessoas saírem à rua e lutarem pelos seus direitos, temos de amplificar isto da maneira que conseguirmos”, diz Maria João Costa, da Habita!.
Por agora, um desejo tão simples como “habitação digna para todos, conforme a possam pagar”, como diz Marta, ainda não foi concedido a moradores de uma zona histórica de Lisboa, a cerca de um minuto do Panteão Nacional.
Texto editado por Ana Fernandes