Disciplina “sexy”
Não compreendo, e repudio, as afirmações de “doutrinação” que pretendem infligir nova machadada à classe docente a pretexto da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
A Educação é uma área a que alguns dão importância relativa, mas sobre a qual muitos opinam por tudo e por nada, como no futebol, julgando-se detentores da verdade absoluta, independentemente da ideologia que professam.
Este ano – não nos bastasse o vírus –, fomos, recentemente, surpreendidos com um abaixo-assinado contra a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento (CD), seguido de perto por uma petição a favor da obrigatoriedade da mesma. Deparamo-nos com uma discussão apaixonante e apaixonada, de fora para dentro das escolas, ficando arredada da mesma quem deveria ser ouvido, transparecendo uma política imberbe, que não colhe o interesse da opinião pública, a não ser o de um número reduzido de experts nas matérias que aparentemente dominam.
Há já três anos que CD integra o currículo como disciplina autónoma, sendo obrigatória nos 2.º e 3.º ciclos. Os domínios temáticos são atuais e reúnem consensos na civilização ocidental: direitos humanos, igualdade de género, interculturalidade, desenvolvimento sustentável, educação ambiental, saúde, sexualidade (o busílis da questão), media, instituições e participação democrática, literacia financeira e educação para o consumo, segurança rodoviária, risco, empreendedorismo, mundo do trabalho, segurança, defesa e paz, bem-estar animal, voluntariado, pese embora outros possam ser elegíveis, atendendo ao perfil singular das diferentes comunidades educativas.
A inexistência de programas ou manuais remetem para orientações criteriosas disponibilizadas no site da Direção Geral da Educação, sendo atribuída autonomia às escolas para a seleção dos domínios, assim como o formato da abordagem e exploração dos mesmos, no maior respeito e adequação à faixa etária dos discentes.
Posto isto, não compreendo, e repudio, as afirmações de “doutrinação” que pretendem infligir nova machadada à classe docente, merecedora do respeito e consideração de todos os quadrantes da sociedade. As práticas da mocidade portuguesa não estão sequer na mente dos docentes, pelo menos dos das escolas públicas. Estes são inteligentemente críticos, autónomos, refletem e defendem as suas próprias posições. Dispensam estas vis conclusões, legitimadas por argumentação pobre de quem pretende uma bengala para sustentar o impossível.
Considero que as duas fações contrárias pecam por não manifestar a intenção de auscultar os alunos sobre a questão em contenda. Dar-lhes voz deveria ser obrigatório para perceber que as aulas de CD os motivam, animam pleitos entre eles, permitindo-lhes não só desenvolver a capacidade e o poder de argumentação e da oratória, como também contactar com convidados/especialistas que dinamizam sessões e debates, estimulando o espírito crítico no tocante a temáticas contemporâneas, de interesse pessoal e/ou universal. A participação dos alunos atinge valores máximos, em claro benefício de uma aula menos expositiva e mais aberta à cooperação ativa de todos. E, assim, rapidamente terminam os 50 minutos semanais da disciplina, para desalento dos alunos, ávidos dos saberes e das competências que os melhor preparam para os seus projetos de vida futura.
Os conteúdos veiculados não procuram transferir uma mera opinião pessoal ou crença, para que se possa alegar objeção de consciência.
Reconheço que as famílias, muitas vezes, demitem-se, ou não sabem, ou não têm tempo para passar valores de cidadania, regras de conduta, de relacionamento e de convivência em sociedade, exigindo à escola que cuide, que eduque as suas crianças e jovens ao longo de anos a fio.
Estou convicto que as escolas são lugares seguros, da mesma forma que também se assumem lugares plurais, que respeitam as opiniões díspares, independentemente das ideologias que lhes estão subjacentes, onde a liberdade de expressão é ponto assente e incrementado.
Tendo por propósito elevar o futuro da Educação, e atendendo ao poder de influência dos signatários de ambos os lados, proponho que focalizem os seus esforços na promoção de soluções para problemas efetivamente reais de que padece o sistema de ensino, como, por exemplo, o modelo de acesso ao ensino superior, o rejuvenescimento do corpo docente, o desenho de um plano tecnológico na educação e a valorização e dignificação da carreira docente.
Só assim, se apresentariam como aliados da Educação!
Professor e director
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico