Covid-19 teve impacto maior na Europa porque gripe “foi muito ligeira” em 2019

Questionado sobre se a segunda “onda” da doença pode ser pior do que a primeira, o infecciologista Jaime Nina afirma peremptoriamente: “Sem dúvida nenhuma”.

Foto
O “país não se pode dedicar 100% à covid, porque continua a haver ter muitas outras causas de morte”, diz Jaime Nina Nelson Garrido

O infecciologista Jaime Nina diz que a covid-19 teve um impacto maior do que seria de esperar na Europa e na América do Norte porque a gripe em 2019 “foi muito ligeira”.

“Muitos idosos que teriam morrido de gripe em 2019 não morreram e, portanto, havia um pool de gente vulnerável maior do que era habitual e que apanhou com a covid”, disse em entrevista à agência Lusa o professor na Universidade Nova de Lisboa, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e da Faculdade de Ciências Médicas.

Questionado se a segunda “onda” da doença pode ser pior do que a primeira, Jaime Nina afirmou peremptoriamente: “Sem dúvida nenhuma”. “Até porque há um motivo: neste momento, não é possível fazer um confinamento drástico como foi feito em Março e Abril, porque se fizermos isso a seguir vamos todos de chapéu na mão pedir esmola porque o país faliu. Isto tem custos brutais”, salientou o infecciologista do Hospital Egas Moniz.

Sobre o risco de se chegar ao número de óbitos registados em Abril, com dias com mais de 30 mortes, Jaime Nina disse que “ficaria aliviado se o número de mortos for 35 por dia”, mas “pode ser muito mais”.

Idosos em “bolha”

Já se percebeu que os jovens têm uma doença benigna e nas crianças “só por acaso se encontra um positivo”, por isso deve-se “proteger os idosos” como está escrito no Plano Outono Inverno 2020/21 da Direcção-Geral da Saúde. “Os idosos deviam ser postos dentro de uma “bolha” para os proteger”, o que passa pela realização de testes.

Para Jaime Nina, “os profissionais que estão nos lares de idosos, que vêm da rua e podem levar o vírus lá para dentro, deviam ser testados dia sim, dia não, para apanhá-los e isolá-los” e evitar que o vírus se espalhe na instituição.

“A partir do momento em que o idoso aparecesse infectado, devia começar-se imediatamente a preparar os hospitais para os receber e não esperar que estejam em último estado para os levar para o hospital porque nessa altura não há muito a fazer”, defendeu.

Segundo o infecciologista, “até o vírus mais incompetente deste mundo se consegue transmitir” nos lares, porque “os idosos mexem-se mal, muitos deles têm bronquite, estão em salas fechadas horas a fio o olhar para a televisão”.

Para além da covid-19

Para Jaime Nina, o Plano de Saúde Outono Inverno tem “muitas coisas boas”, nomeadamente o facto de “frisar que o país não se pode dedicar 100% à covid, porque continua a haver ter muitas outras causas de morte”.

“Já morreram cerca 1900 pessoas com covid em Portugal, é verdade, mas neste intervalo de tempo morreram 70 mil de outras coisas”, salientou.

Jaime Nina deu um exemplo: “Quando se atrasa sete meses uma endoscopia por suspeita de tumor, alguns não o serão, mas seguramente 30 ou 40 são, o que significa que 20 ou 30 já passaram a fase operável neste intervalo e vão morrer de cancro”.

“Nas estatísticas não vai aparecer que a causa de morte foi a covid, mas até foi, porque se tivessem feito a endoscopia em tempo útil, tinham sido operados em tempo útil e ficado curados, sustentou.

Outra das propostas do plano é fazer “um grupo interministerial para tentar encontrar soluções fora da saúde”, disse, defendendo que “se a directora-geral da Saúde conseguir isso era uma lança em África”. “Era ter a capacidade de acesso a recursos humanos e técnicos, instalações de várias ordens de grandeza maior que aquela que o Ministério da Saúde tem. Isso seria muito, muito bom”, vincou.

Para Jaime Nina, “quem escreveu o plano sabe o que está a dizer e o que era preciso fazer. Agora também sabe que tem uma estrutura muito pesada e que é difícil mudar”.