Chegados ao promontório, damos por nós a valorizar mais a audição do que a visão, os ouvidos que (não) escutam a vastidão do Atlântico em vez dos olhos nele pousados. “A Voz do Mar”, assim se intitula a obra arquitectónica de Pancho Guedes instalada na Ponta de Sagres que, beneficiando de uma forma circular e labiríntica, permite que o bramido das ondas provindo de uma gruta natural percorra uma profundidade de mais de 50 metros até cá acima. “Mas é preciso que o mar esteja batido”, oiço um pai esclarecer o filho no momento em que constato como o quotidiano já transformou esta obra numa coisa outra, nem mais nem menos do que uma involuntária e sublime peça de arte: exaustivamente garatujadas na pedra por amantes, amigos e familiares, as juras de amor e as lembranças e dedicatórias que preenchem estas paredes circulares situam-nos num tempo indefinido e abstracto, como se fôssemos testemunhas silentes, espantadas, de seres humanos muito anteriores a nós. Talvez que seja isso o que pensarão aqueles que um dia nos sobrevierem quando se abeirarem desta autêntica Cave of Forgotten Dreams, tal qual como quando Werner Herzog se abeirou da Caverna de Chauvet.
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