“Eleições” para as CCDR: um enorme retrocesso democrático e administrativo
A opção de Rui Rio e de António Costa foi a de insistir numa rota que já demonstrou que não ajuda o país.
Tenho acompanhado, com tristeza, todo o processo de “eleição” indireta dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Fui presidente da CCDRC num período muito complicado, e sei bem as dificuldades por que passam as equipas de gestão destas organizações essenciais para a gestão do território e para o desenvolvimento regional. O cenário em que vivemos é muito exigente e recomendaria bom-senso e capacidade de decidir de acordo com o interesse nacional. Um país que não gosta de fazer planos, que não coordena ações entre os vários municípios e regiões e que, consequentemente, agravou, apesar dos mais de 120 mil milhões de euros em fundos comunitários, as desigualdades regionais, não podia, de forma alguma, retroceder desta forma na capacidade de transferir competências para as regiões.
Há algum tempo que muitos portugueses esperam por regiões administrativas. Consideram que essa é a única forma de dar um salto qualitativo regional, ao nível do planeamento, gestão, atração de investimento, que permita combater a desertificação populacional e económica, elevando as regiões nacionais a patamares de desenvolvimento comparáveis com as regiões mais importantes da Europa. Não estou convencido de que esse é o caminho, pois sei que o modelo das CCDR deveria ser mais bem explorado. De facto, as CCDR têm os recursos humanos e técnicos necessários e estão espalhadas pelo território, pelo que bastaria que fossem reforçadas de competências e de legitimidade para que os resultados pudessem ser outros. Competências de decisão regional, que dessem força às decisões tomadas num Conselho Regional reforçado e reformulado, e que permitissem adaptar à região políticas públicas nacionais. Competências de definição e execução de estratégia regional, devidamente planeada, como forma de resolver os problemas da região e potenciar os investimentos e transformações necessárias para alterar o seu futuro. Esse papel de planeamento e coordenação é essencial ao futuro do país, devendo guiar as transformações a fazer nas CCDR e respetivos órgãos regionais. Tudo isso exige uma maior legitimidade de quem lidera as CCDR, pelo que compreendi bem a necessidade de alterar a forma como eram nomeados.
No entanto, o resultado obtido é desastroso e um enorme retrocesso organizativo e democrático, dando razão a todos aqueles, nos quais se inclui o Presidente da República, que desconfiam da regionalização e consideram que é mais uma forma de criar cargos de nomeação partidária, que rapidamente se tornam inúteis e um peso para os contribuintes. Num processo vergonhoso, PS e PSD resolveram distribuir entre si as CCDR: o Norte e o Centro são do PSD; Lisboa, Alentejo e Algarve são do PS. A lei foi feita à pressa para legitimar esta aberração democrática e não defende, de forma alguma, o interesse nacional. A direção das CCDR passa a ser “eleita” por um colégio eleitoral de autarcas, com candidaturas subscritas por 15% do colégio eleitoral, isto é, a vontade de uma região passa a resumir-se à opinião de executivos municipais, assembleias municipais e presidentes de junta. Nas regiões não existem empresas e empresários, nem existem universidades e politécnicos, nem profissionais do comércio ou da indústria, nem profissionais liberais, nem ordens profissionais, nem associações industriais e de profissionais, nem nenhum outro tipo de associação, nem alguma forma de pensamento independente e crítico, nada. Só existem autarcas, aos quais se pede que “elejam” tendo por base a orientação partidária. Incompreensivelmente, o Conselho Regional, que inclui representantes de várias outras organizações, não funcionou como exemplo do que deveria ser um colégio eleitoral representativo da região, dos seus interesses e anseios das respetivas populações.
Ou seja, a referida legislação foi elaborada para garantir que o ato de “eleição” era o menos representativo possível, falhando assim redondamente o objetivo de reforçar a legitimidade das CCDR, e que era “eleita” a personalidade indicada pelo diretório dos dois partidos. Não sei se o Estado Novo faria muito melhor.
O outro objetivo falhado foi o de reforçar as competências de planeamento e organização do território, procurando desenhar os planos de investimento que permitam diferenciar as regiões e as tornem atrativas para atividade económica. Os fundos comunitários servem para resolver os problemas que foram identificados e que colocam a região a trabalhar em conjunto, procurando as sinergias intra e inter-regionais que ajudem a fazer a diferença. Não é uma fórmula certa; é antes uma fórmula incerta que tem a inteligência e o planeamento como pano de fundo. Ora, tudo isso é impossível de obter quando se partidarizam as CCDR e se blindam as regras de forma a impedir qualquer tipo de candidatura independente.
A opção de Rui Rio e de António Costa foi a de insistir numa rota que já demonstrou que não ajuda o país. Os resultados estão à vista de todos: a nossa incapacidade de planear, pensar o país como um todo e de escolher quem melhor representa essa missão, tornou praticamente inútil todo o investimento comunitário de coesão e desenvolvimento regional. As profundas desigualdades regionais deveriam fazer pensar os dirigentes políticos sobre o trajeto que fizemos. No entanto, por razões mesquinhas e de pequenos grupos, o PS e o PSD insistem em transformar as CCDR em delegações partidarizadas do Estado central. É um caminho errado que o Sr. Presidente da República deveria impedir.