Comissão de Acompanhamento da Descentralização só se reuniu uma vez
Municípios reclamam maior acção dos grupos de acompanhamento. Querem também esclarecimentos sobre o Plano de Recuperação e Resiliência.
Em teoria, com o arranque do processo de descentralização, seriam criadas comissões e também grupos de trabalho para acompanhar o processo de transferência de competências do Estado Central para as autarquias locais. Na prática, os grupos foram de facto formalizados, mas pouco mais aconteceu.
Um exemplo é o da Comissão de Acompanhamento da Descentralização (CAD), que estava prevista na lei desde 2018 mas só se reuniu uma vez, em Setembro de 2019, aponta o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Manuel Machado.
“Vamos desenvolver esforços e acções para que a CAD reúna com periodicidade e de urgência, para que o grupo de trabalho para a execução da descentralização reúna com maior assiduidade e com presença de todos os membros que a integram”, disse o autarca socialista aos jornalistas, no final da reunião do conselho directivo da ANMP que decorreu em Coimbra, nesta terça-feira.
Manuel Machado admite que a pandemia criou “dificuldades operacionais” — tanto que houve prazos da descentralização que foram recalendarizados — mas considera que é preciso “reacelerar” o processo de transferência de competências. Se a CAD teve apenas uma reunião, o Grupo de Trabalho para a Execução da Descentralização não fez muito mais: teve apenas dois encontros, em Dezembro de 2019 e Fevereiro deste ano, “sem resultados significativos”, sublinha a ANMP. Machado entende que “o ideal, nesta fase, porque é mesmo a recta final da execução”, seria haver reuniões, “no mínimo, todos os meses”.
A lei quadro 50/2018, que deu o primeiro passo para a implementação da transferência de competências, publicada em Agosto de 2018 no Diário da República, criava uma comissão de acompanhamento, especificando que esta seria “integrada por representantes de todos os grupos parlamentares, do Governo, da ANMP e da Associação Nacional de Freguesias” e teria a missão de avaliar “a adequabilidade dos recursos financeiros de cada área de competências”.
Acontece que apenas em Junho de 2019 foi publicada a resolução do Conselho de Ministros que organizava a actividade dessa mesma comissão de acompanhamento. Meses depois, em Setembro, teve lugar a única reunião de acompanhamento do processo de descentralização. A segunda reunião está marcada para o próximo dia 25 de Setembro, mais de um ano depois. Uma periodicidade que é manifestamente insuficiente para a ANMP.
O autarca que preside também à Câmara Municipal de Coimbra, diz que há outros pontos do processo atrasados, nomeadamente em sectores como acção social, saúde, educação ou na gestão de áreas portuárias. No caso da acção social, que foi o último decreto sectorial a ser publicado (em Agosto deste ano), estão ainda por conhecer as portarias regulamentadoras, textos sem os quais as câmaras ficam sem conhecer as regras do jogo.
Na educação, um dos dossiers mais pesados pelos encargos e número de trabalhadores envolvidos, as autarquias querem ver esclarecidas uma série de questões que vão da conservação de edifícios aos transportes escolares, passando pelos rácios de pessoal não docente. Problemas, diz Machado, que estão a ser resolvidos no terreno “um pouco por voluntarismo das autarquias”.
Com o assunto da descentralização em carteira, a ANMP decidiu pedir uma audiência ao primeiro-ministro para fazer um ponto de situação do processo de descentralização, mas também para falar sobre fundos comunitários e preparar o Orçamento do Estado para o próximo ano.
Os autarcas estão também preocupados com o Plano de Recuperação e Resiliência que deverá ser apresentado pelo governo à Comissão Europeia. “Não está a haver atenção suficiente aos territórios”, alerta o presidente da associação que representa os municípios. “Temos afirmado a nossa disponibilidade para interagir, empreender acções que sejam do interesse nacional e ficamos preocupados” quando não há resposta do Governo, diz Machado. As câmaras querem ver especificado “quem faz o quê e com que financiamento” e que o documento inclua “o âmbito nacional, regional e municipal”.