Ser pai e ser mãe não é uma competição!
O estabelecimento legal da preferência pela residência alternada para as crianças após a separação conjugal constitui, não só uma mudança premente na vida das famílias, como uma mensagem para a sociedade, para que esta reconheça que as crianças precisam de ambos, pais e mães, na sua vida.
No âmbito do debate sobre a alteração legislativa que privilegia a residência alternada, duas perspetivas confluem no bloqueio à reforma necessária do Direito das Crianças: a perspetiva do mérito, instigador da competição, no exercício da parentalidade; e a perspetiva etapista do desenvolvimento social.
Um dos argumentos apresentados para sustentar que o Código Civil não deve ser alterado é o de que mais importante são as mudanças a fazer no exercício da parentalidade antes do divórcio, sem as quais uma alteração legislativa relativamente ao pós-divórcio não iria gerar transformações de fundo nos comportamentos parentais.
Este argumento funda-se num profundo desconhecimento do efetivo alcance de políticas públicas, na área da família e das crianças, que têm promovido mudanças na vivência da parentalidade e na conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar dos casais. É exemplo disso a alteração da política de licenças parentais em 2009, que incentivou à maior partilha dos cuidados ao bebé desde o nascimento (Wall, Atalaia, & Cunha, Policy Brief II - Homens e Licenças Parentais: Quadro Legal, Atitudes e Práticas, 2016). Já lá vai mais de uma década e muito mudou na vida de pais, mães e crianças. É que estudos demonstram que quanto maior é o envolvimento do pai nos primeiros meses de vida da criança, quanto maior é a partilha das responsabilidades, maior é também a probabilidade de assim se manter ao longo do crescimento das crianças. A promoção da residência alternada no quadro de uma alteração legislativa visa, justamente, aprofundar este caminho de partilha efetiva das responsabilidades parentais noutra fase da vida de pais, mães e crianças, quando o divórcio ou a separação obriga à reorganização da vida familiar.
Mais extraordinário ainda é a visão meritocrática da parentalidade, instigadora da competição quanto às competências parentais, como se essa perspetiva não fosse responsável por um número significativo de conflitos parentais de baixa e média intensidade nos últimos 30 anos. Ora, a concretização do superior interesse da criança, que é a garantia de um envolvimento parental mais igualitário, não pode submeter-se a uma lógica de competição que leva a vencedores e vencidos; nem à ideia de rigidez de papéis de mães e pais, na medida em que o crescimento das crianças é necessariamente acompanhado de desafios, adaptações e ajustamentos no exercício da parentalidade; nem tão pouco à visão etapista das políticas públicas.
O caminho faz-se caminhando e é preciso avançar em todas as frentes. E não se pode priorizar avanços ou condicionar um determinado avanço enquanto outros não se concretizarem (Simões, 2018). Assim, o estabelecimento legal da preferência pela residência alternada para as crianças após a separação conjugal constitui, não só uma mudança premente na vida das famílias, como uma mensagem para a sociedade, para que esta reconheça que as crianças precisam de ambos, pais e mães, na sua vida, de forma quotidiana e envolvida, mesmo, como é óbvio, após o divórcio (Warsh, 1992). Aquela é, portanto, a política pública que se impõe para se avançar nesta direção.
Referências
Cunha, V., Rodrigues, L. B., Correia, R., Atalaia, S., & Wall, K. (2018). Why are caring masculinities so difficult to achieve? Reflections on men and gender equality in Portugal. Em S. Aboim, P. Granjo, & A. Ramos, Changing societies: Legacies and Challenges - Ambiguous inclusions: inside out, outside in (pp. 303 - 331). Lisboa: Instituto de Ciências Sociais.
Simões, R. (2018). Em defesa da residência alternada e do superior interesse da criança – um contributo para a discussão. Obtido de Família com Direitos.
Wall, K., Atalaia, S., & Cunha, V. (2016). Policy Brief II - Homens e Licenças Parentais: Quadro Legal, Atitudes e Práticas. Lisboa: ICS-ULisboa e CITE.
Wall, K., Cunha, V., Atalaia, S., Rodrigues, L., Correia, R., Correia, S. V., & Rosa, R. (2016). Livro Branco - Homens e Igualdade de Género em Portugal. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
Warsh, R. A. (1992). Custody Revolution: Father Custody and the Motherhood Mystique. New York: Poseidon Press.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico