Opositor que chamou “palhaço” a Xi Jinping condenado a 18 anos de prisão
Ren Zhiqiang escreveu um artigo a criticar a resposta do Governo chinês à pandemia de covid-19 e acabou detido e expulso do Partido Comunista Chinês. Dissidentes denunciam “perseguição política”.
O milionário chinês Ren Zhiqiang, crítico do Presidente Xi Jinping, foi condenado esta terça-feira a 18 anos de prisão por corrupção, uma dura sentença que os seus apoiantes e opositores do regime consideram uma punição e um aviso contra a dissidência no Partido Comunista Chinês (PCC).
O tribunal de Pequim disse que o magnata de 69 anos, antigo director de uma empresa do ramo imobiliário, utilizou o seu poder para aceitar subornos e desviar dinheiro público. De acordo com as autoridades chinesas, Zhiqiang admitiu a culpa nos crimes de que está acusado e disse que não pretende recorrer da sentença.
Contudo, todo o julgamento decorreu com enorme secretismo e a acusação e respectiva condenação não convencem os opositores do regime, que consideram que mais do que um caso de corrupção, está em causa um aviso a outras vozes críticas no interior do PCC.
“Reprimir Ren Zhiqiang, utilizando crimes económicos para o punir, é um aviso para os restantes [dissidentes] – matar um para avisar 100”, afirmou ao The New York Times Cai Xia, uma antiga professora da Escola Central do PCC, onde são formados os principais quadros do partido, que fugiu para os Estados Unidos depois de ter sido expulsa do partido devido às suas críticas a Xi Jinping.
“Isto é perseguição política, pura e simplesmente. Esta acusação não se deveu a crimes económicos, mas sim a opiniões políticas”, reiterou Cai Xia.
Ren Zhiqiang é um conhecido opositor de Xi Jinping e em 2016 chegou a ser detido e posto em liberdade condicional, depois de várias críticas em público ao PCC, sobretudo à forma como o partido estava a controlar os meios de comunicação social. No entanto, foi este ano, depois de um artigo crítico sobre a resposta do Governo ao coronavírus, que se tornou um alvo das autoridades.
Em Fevereiro, quando ainda não tinha sida declarada a pandemia de covid-19 e a China enfrentava um grande surto em Wuhan, Ren Zhiqiang publicou um ensaio online – que viria a ser censurado – a criticar o PCC e a denunciar uma “crise de governação”, afirmando que a repressão da liberdade de expressão no país agravou a crise, enquanto o partido apenas estava focado em “defender os seus interesses”.
“O partido defende os seus próprios interesses, os funcionários do Governo defendem os seus próprios interesses e o soberano só defende o seu estatuto e os interesses do núcleo”, acusou Zhiqiang.
Apesar de nunca ter referido Xi Jinping directamente pelo nome, depois de um discurso do Presidente chinês a defender a resposta do PCC à crise do coronavírus em Wuhan, o magnata escreveu que viu um “palhaço que vai nu mas que insiste em passar por imperador”.
Em Março, Ren Zhiqiang desapareceu, tendo sido confirmado no mês seguinte que estava sob custódia das autoridades chinesas, que abriram uma investigação por “suspeita de graves violações de disciplina e da lei”. Em Julho, foi expulso do PCC, acusado de falta de lealdade ao partido.
Próximo do regime
Desde que chegou ao poder em 2012, Xi Jinping lançou uma campanha de combate à corrupção no país, que, segundo as denúncias dos dissidentes do PCC, tem sido usada para perseguir opositores e silenciar vozes críticas dentro do regime.
Este mês foi detida Geng Xiaonan, uma empresária que dirige uma editora, e o seu marido por “actividades ilegais”. No entanto, os seus apoiantes consideram que a detenção foi uma consequência do apoio de Xiaonan ao professor Xu Zhanragrun.
O docente da prestigiada Universidade de Tsinghua foi detido no passado mês de Julho depois de ter escrito vários artigos a criticar Xi Jinping. Foi acusado de ter solicitado serviços de prostituição numa viagem de trabalho, uma acusação que nega.
O caso de Ren Zhiqiang, no entanto, assume uma maior dimensão, uma vez que o magnata do imobiliário é considerado uma figura importante dentro do regime, com uma forte ligação ao PCC, inclusive a nível familiar – o seu pai foi próximo de Mao Tsé-tung durante a Guerra Civil chinesa que viria a dar origem à República Popular da China.
Além disso, é considerado muito próximo de várias figuras proeminentes do partido, entre elas o vice-presidente Wang Qisham. Ligações importantes que, contudo, não impediram o PCC de expulsar o magnata, agora condenado por corrupção, do partido.
“Ren Zhiqiang perdeu os seus ideais e convicções. Nas grandes questões de princípios, falhou ao não se manter alinhado com as autoridades centrais do partido”, justificou, em Julho, o PCC.