“Eu ainda aqui estou e vou continuar”, disse Ventura cuja lista só passou à terceira
Final da convenção do Chega marcada pelos dois chumbos da lista para a direcção nacional, embora o líder tenha teimado em não a mudar. Ventura alarga poderes dentro do partido com alterações que propôs aos estatutos e viu aprovadas.
Depois de sábado ter sido o dia das queixas e críticas, em que o Chega mostrou que, com apenas ano e meio de vida, sofre as dores de crescimento que o aproximam dos partidos grandes, domingo foi o dia em que parecia que tudo podia mesmo ter vindo abaixo. A teimosia de André Ventura obrigou o Chega a ter uma das reuniões magnas de partidos mais conturbadas dos últimos anos e chegou mesmo a pairar o fantasma de nova demissão do líder, quando recebeu a segunda nega dos militantes à lista que propusera para a direcção nacional, o seu órgão de confiança. Mas não a alterou – apenas acrescentou um nome da primeira para a segunda.
Quando, à terceira, levou a sua vontade avante, avisou aos que “já abriam o champanhe” pela sua demissão: “Eu ainda aqui estou e vou continuar com a força deste partido.” Porque hora e meia antes deambulara pelo palco e parecera limpar uma lágrima ao dizer que a “democracia” funcionara no Chega e o partido escolhera duas vezes dizer-lhe não, deixando no ar a ideia de que poderia pedir demissão. Depois, vitorioso, quase em apoteose com os apoiantes que resistiram até às 20h, mas sem sorrir, quis mandar recados vincando que o Chega “tem democracia interna” e sai “mais forte do que nunca”. Ainda que sem admitir que foi uma democracia à conta da sua teimosia e da desistência dos que tinham votado contra porque a viagem de Évora até casa ainda era longa para muitos e o domingo já entrava pela noite.
Ventura recusou repetidamente que no Chega “não há jogadas de bastidores” para as decisões, mas prometeu alterações ao funcionamento sem especificar. “Quero deixar uma promessa enquanto presidente eleito com 99,4% dos votos: vamos fazer mudanças para que o poder no Chega nunca seja retirado aos militantes. Nós não somos um partido do sistema, e nunca seremos.”
O longo discurso de encerramento da convenção de Évora foi trocado pelas declarações fugazes no palco e os convidados do PSD, CDS, IL e o representante da Casa Civil de Marcelo, acabaram por passar a tarde entre as esplanadas da quinta e a sala, mas sem que houvesse um final tradicional da convenção.
Em vez da convenção que deveria ser a da sua aclamação, depois da eleição há duas semanas por 99% dos votos dos militantes, Ventura acabou por se ver envolvido nas lutas de poder interno – porque “já cheira a poder no Chega e, por isso, os problemas internos vão continuar”, avisara um responsável distrital no sábado à noite. Na confusão, a moção de Ventura não chegou a ser votada.
A dificuldade de Ventura aprovar a sua lista estará, entre outras questões, no surgimento de facções internas que se foram formando à medida que as concelhias e distritais foram sendo criadas. Além disso, conseguiu que os delegados aprovassem, por mais de 90% dos votos, as suas propostas de alteração aos estatutos que implicam um reforço dos seus poderes e um aumento das suas equipas de confiança, incluindo as mais polémicas sobre a Juventude Chega e as concelhias. No caso das secções concelhias fica estabelecido que são nomeadas pelas comissões políticas distritais. E a direcção da Juventude Chega será nomeada pela direcção nacional - e não eleita como alguns pretendiam -, a forma que Ventura tem para tentar controlar a entrada de activistas extremistas. Sob as suas ordens fica também a comissão política nacional, um novo órgão de aconselhamento e os novos cargos de secretário-geral e secretário-geral adjunto.
Lista não mexeu
Depois de a lista de Ventura ter recebido, primeiro, 193 votos contra e 183 a favor, ficando a 69 votos dos dois terços necessários, à segunda votação já conseguiu 219 votos “sim” e apenas 121 “não”, mas mesmo assim faltavam oito. À terceira votação, a lista para a nova direcção nacional do Chega obteve 247 votos a favor dos 273 delegados que resistiram até às 19h30 para votar. Houve também um voto em branco e 25 contra.
Dos 510 delegados inscritos apenas votaram, primeiro 378, depois 340, e finalmente só 273. O regulamento eleitoral dos órgãos nacionais estipula que “para ser regularmente eleita, a lista à direcção nacional deve ser aprovada por pelo menos 2/3 dos delegados à convenção nacional”. Esta redacção deixa dúvidas sobre se se trata dos delegados votantes em cada acto eleitoral ou dos delegados inscritos na convenção. Caso fosse esta última interpretação, literal, André Ventura precisaria de pelo menos 340 votos a favor. O PÚBLICO confrontou o vice-presidente do Chega Nuno Afonso e a presidente do conselho de jurisdição, Fernanda Marques Lopes, com a redacção do regulamento. Ambos alegaram desconhecimento e admitiram que o texto é omisso sobre o sentido exacto do número exigido. Já o presidente da mesa da convenção, Luís Filipe Graça, insistiu que o regulamento explicitava que essa maioria qualificada era relativa aos votantes.
A lista mantém como vice-presidentes Diogo Pacheco de Amorim (o ideólogo do partido e que deverá substituir Ventura no Parlamento durante a campanha para as presidenciais), Nuno Afonso (que era o primeiro e troca de lugar com Amorim, que sobe um degrau na hierarquia) e José Dias (presidente do Sindicato do Pessoal Técnico da PSP) que passa para o quarto lugar. Porque em terceiro está o académico Gabriel Mithá Ribeiro; em quinto o diplomata António Tanger Correia. Como vogais mantêm-se os dois primeiros - Ricardo Regalla e Lucinda Ribeiro - e Salvador Posser de Andrade e Joaquim Chilrito dão lugar a Rita Matias, Pedro Frazão (médico veterinário), Patrícia Sousa Uva (quinta da lista das legislativas por Lisboa), Tiago Sousa Dias (foi candidato da Aliança pelo círculo fora da Europa), Fernando Gonçalves (coordenador do Chega na Madeira) e Rui Paulo Sousa (que entrou na segunda votação, depois do PPV ter abdicado de um lugar).
Devido ao crescimento do partido, Ventura alargou a equipa de vice-presidentes (mais dois) e de vogais (duplicam de quatro para oito), e criou os cargos de secretário-geral e secretário-geral-adjunto - todos são escolhidos por si.
Na convenção, subiram ao palco vozes críticas ao conselho de jurisdição por causa de decisões sobre aceitação de listas eleitorais, resolução de conflitos entre militantes ou demora de resposta a outros. Mas também houve quem discordasse de algumas medidas como a forma de selecção das concelhias, o relacionamento destas com as distritais, a questão de haver ou não órgão de juventude. O desagrado foi expresso em diversas moções, que acabaram, na sua larga maioria, rejeitadas. Também se ouviram discursos a apelar à união e outros (bem) mais inflamados de defesa e apologia de André Ventura, pedindo que se acabassem com as “queixas e queixinhas” e que, em vez disso, os militantes “trabalhassem mais em prol do partido”.
Os casos de conflitos mais evidentes são os das distritais de Leiria e do Porto. Antigos e actuais líderes subiram ao palco para se criticarem entre si e ao funcionamento do partido. Surgiram vários ataques ao conselho nacional de jurisdição, moções de desconfiança sobre a presidente e propondo a eleição de uma nova composição. A presidente foi alvo de críticas em diversas intervenções. Até que no sábado à noite, no período de intervenções subiu ao palco para dizer que quem a atacou são pessoas com decisões de processos pendentes. “Enquanto eu for presidente, isto não vai ser o partido da balda.”