EUA impõem ao Irão sanções sem qualquer valor jurídico internacional
Washington usou uma cláusula do acordo com o Irão, apesar de o ter denunciado em 2018. Alemanha, Reino Unido e França contestam posição norte-americana. Teerão congratula-se com isolamento internacional dos EUA.
Os Estados Unidos romperam com os restantes membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e anunciaram unilateralmente a reintrodução das sanções internacionais contra o Irão, uma decisão contestada pela restante comunidade internacional, que considera a decisão de Washington sem qualquer base legal.
Em resposta ao secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, que fez o anúncio no sábado e ameaçou os restantes membros da ONU que não cumprissem com a directiva de Washington, Reino Unido, França e Alemanha avisaram os Estados Unidos que a sua decisão unilateral de reintroduzir as sanções internacionais levantadas em 2015 não tem qualquer validade jurídica.
“Os EUA deixaram de ser participantes do JCPOA [acordo com o Irão] após a sua retirada do acordo a 8 de Maio de 2018. Consequentemente, as decisões ou medidas que possam adoptar em relação a este processo não têm qualquer efeito jurídico”, disseram Alemanha, Reino Unido e França num comunicado conjunto. “Trabalhámos incansavelmente para preservar o acordo e mantemos o nosso compromisso”, acrescentaram os três países.
Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido) e a Alemanha assinaram em 2015 o Plano Abrangente de Acção Conjunta (JCPOA) com o Irão, de forma a travar o programa nuclear iraniano, submetendo-o a inspecções regulares independentes.
.@SecPompeo: In accordance with our rights under resolution 2231, the United States initiated the snapback process to restore virtually all previously lifted UN sanctions, including the embargo. The world will be safer as a result. https://t.co/Yg8SC0mp9j
— Department of State (@StateDept) September 20, 2020
Três anos depois, já com Donald Trump na presidência, os Estados Unidos abandonaram o JCPOA e anunciaram a imposição de sanções contra o Irão. Os restantes países, no entanto, mantiveram o acordo com Teerão, que, ao contrário do que dizem os EUA, garantem que o Irão não está a violar o JCPOA e que continua a permitir o acesso aos inspectores independentes da Agência Internacional de Energia Atómica para fiscalizarem a sua produção de urânio.
Apesar de ter abandonado o acordo em 2018, os Estados Unidos consideram que têm poder para reimpor as sanções ao Irão, nomeadamente a de compra de armas, levantadas em 2015, depois da assinatura do acordo. Para tal, reivindicam um mecanismo do JCPOA que permite a qualquer das partes denunciar o acordo, em caso de infracção pela outra parte, e voltar ao que existia antes da entrada em vigor do documento.
US unilaterally ceased participation in #JCPOA on 8 May 2018 and has subsequently not participated in any JCPOA-related activities. It cannot, therefore, be considered to be a JCPOA participant State and cannot initiate the process of reinstating UN sanctions under UNSC res. 2231 https://t.co/4Uo1h7vM8v
— Josep Borrell Fontelles (@JosepBorrellF) September 20, 2020
Os restantes signatários, contudo, têm uma interpretação diferente. Tal como na posição subscrita por Londres, Paris e Berlim - em linha com o que defendem Pequim e Moscovo -, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, sublinhou que os EUA “não podem ser considerados um estado participante do JCPOA e que [por isso] não podem iniciar o processo de restabelecimento das sanções da ONU”. Por seu turno, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que devido à “incerteza” não é possível declarar que as sanções tenham sido reintroduzidas.
Isolamento
No entanto, o isolamento internacional não parece demover os EUA no seu ataque ao Irão e, conforme escreve o The Guardian, não está apenas em causa uma disputa legal, mas também uma escalada na tensão entre Washington e os restantes signatários do acordo, com os EUA a reivindicarem a autoridade para agirem contra os países que não reintroduzam as sanções contra Teerão. Além disso, reivindicam que o levantamento do embargo de armas ao Irão a partir de Outubro é nulo, apesar de o Conselho de Segurança da ONU ter decidido o contrário em Agosto.
De acordo com Hamidreza Azizi, analista do think tank German Institute for International and Security Affairs, o braço-de-ferro anunciado por Washington é mais uma prova das divisões entre os EUA e o resto do Ocidente, que se podem agravar “especialmente se Trump for reeleito Presidente”. “Os Estados Unidos querem manter o Irão sob os holofotes internacionais, continuando a apresentar a República Islâmica como uma ameaça à paz e segurança internacionais”, afirmou o analista à Al-Jazeera.
Azizi sublinha ainda que existem motivos claros para os países europeus, a Rússia e a China não aceitarem as exigências norte-americanas. Em primeiro lugar, porque “abririam caminho a uma interpretação arbitrária dos tratados internacionais por parte de Washington”, e, em segundo lugar, “a reacção iraniana às sanções podia levar o país a abandonar o JCPOA ou mesmo o Tratado de Não-Proliferação Nuclear”.
Em Teerão, a reacção europeia foi recebida com entusiasmo. “Hoje, podemos dizer que a ‘pressão máxima’ dos EUA contra a nação iraniana, legal e politicamente, mudou para ‘isolamento máximo’ para os Estados Unidos”, afirmou o Presidente do Irão, Hassan Rouhani, num discurso televisivo transmitido no domingo, referindo-se a um “dia memorável na história diplomática” do Irão. “Nunca cederemos à pressão dos EUA e o Irão dará uma resposta esmagadora ao bullying dos Estados Unidos”, garantiu.
Com a indefinição a pairar em relação a futuras sanções, a moeda iraniana continua em queda e no domingo o rial atingiu um novo mínimo histórico em relação ao dólar americano. Desde 2018, quando os EUA reintroduziram sanções ao Irão, a moeda iraniana já perdeu 75% do seu valor, segundo a Reuters.