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Apoiar as artes é investir na democracia

Os artistas e a arte são essenciais ao nosso desenvolvimento como povo e o Estado deve apoiar o seu trabalho e investir nele de forma substancial.

Uma visão estratégica para a cultura constitui um elemento essencial para a democracia. Agora ainda mais que antes. É decisivo para o futuro do país a concretização de uma política pública de cultura, estruturada e duradoura.

A instabilidade no apoio às artes em Portugal tem-se prolongado no tempo, sendo frequentemente acompanhada de diferentes visões entre os seus profissionais e a área governativa. No entanto, as duas partes convergem, há muito, em que o diálogo será a base para um entendimento que ajude a estabilizar a política de investimento nas artes no nosso país. O diálogo construtivo tem um objetivo primordial: resolver as questões estruturais, concentrando-nos no que é essencial.

Assim, definimos como prioridade da nossa ação política organizar, tornar estruturado e sustentável o investimento do Estado para o desenvolvimento das artes. Na ausência ou quase inexistência de estudos (ou de um simples mapeamento) sobre o universo dos artistas, encetei um conjunto de contactos, tendo tido mais de meia centena de reuniões com representantes e agentes ativos na criação e programação culturais, cujos resultados se constituíram como um diagnóstico da situação. Essas dezenas de reuniões garantiram a todos os envolvidos um conhecimento basilar sobre as contínuas dificuldades que assolam a vida de profissionais que, com persistência e coragem, lutam pelo reconhecimento pleno da importância do seu labor criativo na construção de uma democracia plena. Verificámos também que alguns dos problemas que dificultam a inscrição das artes no quotidiano do país derivam da ausência de decisões que reduzam a imprevisibilidade do apoio do Estado aos artistas, apoio que nunca deverá ser entendido como um subsídio que cria dependências, mas sim como um investimento na força transformadora da cultura. Os artistas e a arte são essenciais ao nosso desenvolvimento como povo e o Estado deve apoiar o seu trabalho e investir nele de forma substancial.

O surgimento da pandemia alterou profundamente as nossas vidas e revelou, de uma maneira crua e “gritante”, as dificuldades sentidas pelos artistas. Tornou-se imperioso que nos concentrássemos na ajuda a situações de carácter social (que estão fora da ação política do Ministério da Cultura), criando linhas de apoio excecionais, que surgiram como instrumentos complementares às atribuições próprias da Segurança Social, com vista a atenuar os efeitos dramáticos da pandemia numa comunidade artística confrontada com um golpe profundo. Não podíamos ignorar a forma como a covid-19 afetou o setor artístico e outros profissionais da cultura e decidimos agir em conformidade, tendo sido, aliás, o único setor que recebeu um apoio social complementar.

Atuámos no tempo da urgência, mas não deixámos de lado o trabalho em curso: o estatuto do artista e dos profissionais da cultura, a revisão crítica do modelo do apoio às artes e a regulamentação da rede de teatros e cineteatros.

Chegados a este momento, ouvidas centenas de pessoas e entidades coletivas do mundo das artes, iniciamos agora a discussão pública destes importantes instrumentos estruturantes do apoio às artes. Não abandonámos o modelo de apoio em vigor, o qual deriva de um intenso trabalho de muitos profissionais. Tal como prometido, damos continuidade às orientações consensuais daquele modelo, mas procedemos a alterações que visam melhorar o sistema de apoios. Assim, propomos que o “apoio sustentado” às estruturas artísticas passe a ser trienal, com possibilidade de ser renovado por igual período, o que permitirá o desenvolvimento sustentável do projeto artístico. A renovação não terá por base um concurso, mas sim o resultado do trabalho das comissões de acompanhamento criadas em todo o território. Ou seja, as entidades têm a possibilidade de contar com um apoio a seis anos, o que lhes dará maior estabilidade. De três em três anos abrir-se-á o concurso para que novas entidades possam aceder ao apoio, assim renovando o tecido artístico.

A definição do apoio financeiro terá por base o modelo de candidaturas por patamares. O objetivo é introduzir uma aproximação ao princípio do financiamento pelo valor solicitado. Desta forma, dissocia-se a pontuação do projeto do valor do apoio a atribuir.

O apoio sustentado será dirigido a entidades independentes. As entidades não exclusivamente independentes poderão ser apoiadas através de outros programas, como o “apoio em parceria”. Propomos também uma simplificação do processo de candidatura e de verificação, prescindindo de algumas declarações prévias, valorizando o acompanhamento posterior e a responsabilização contínua. A confiança entre a entidade financiadora e a apoiada será uma premissa. Não dispensaremos, no entanto, a exigência que deriva do acompanhamento no terreno. Mais confiança à partida, igual responsabilização do bom uso de dinheiro público.

Valorizaremos, com determinação, o apoio às entidades em que as relações laborais tenham por base contratos formais. Mal estaríamos se não aprendêssemos com a situação ampliada pela covid-19 e não déssemos o exemplo. O apoio do Estado às artes deve ser acompanhado da exigência de que os trabalhadores tenham garantidos os seus direitos sociais.

Outra iniciativa que permite um extraordinário reforço do apoio ao setor das artes e que se articula com a revisão do modelo atrás referido é a efetiva criação da “Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses”. É relativamente conhecida a realidade: por todo o país foram criados equipamentos físicos que permitem a oferta regular de atividades artísticas. No entanto, alguns deles não funcionam por falta de meios e outros abrem as portas de forma irregular. Há, felizmente, boas exceções: teatros municipais que são autênticos centros culturais de excelência.

Nesta missão de democratizar o acesso à cultura, é hora de o Governo se associar ao esforço das autarquias, criando uma linha de apoio à programação. Previamente, existirá um processo de credenciação que garantirá que determinado espaço tem requisitos mínimos para funcionar na plenitude; condições físicas, técnicas e de recursos humanos. Mas também deverá ter um regulamento interno e definir uma visão estratégica para a sua programação. Só depois de credenciados os espaços é que as entidades podem aceder ao apoio à programação. O projeto deve prever a realização de iniciativas artísticas diversificadas, nas diferentes áreas, regularidade na oferta, condições de acessibilidade generalizada, mediação com os públicos, envolvimento da comunidade, etc. Uma das mais importantes medidas será a obrigatoriedade contratual do espaço garantir o acolhimento de espetáculos que tenham sido apoiados pela DGArtes, permitindo assim a circulação por todo o país de obras que muitas vezes só conseguem ser mostradas em curtas temporadas. Ao mesmo tempo aposta-se na realização de co-produções.

O estatuto do artista e dos profissionais da cultura, o mapeamento do setor artístico e cultural, a revisão do modelo do apoio sustentado às artes e a regulamentação da “Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses” são medidas estruturantes de política pública de cultura que se integram numa visão de conjunto e de futuro.

Tenho a consciência de que muito há por fazer. Por isso, continuaremos a trabalhar de forma empenhada, reforçando o diálogo com todos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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