Um acidente no percurso: sabias que quando sais de casa já estás “em trabalho”?

Sabias que se tiveres um acidente de viação este pode ser considerado acidente de trabalho?

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Diogo Ventura

O comum dos trabalhadores desconhece a panóplia de direitos de que é titular. Verdade se diga que, de entre créditos de formação profissional e despesas de deslocação, tudo depende do previsto no código do trabalho, no instrumento de regulamentação colectiva aplicável (vulgo, contrato colectivo de trabalho, acordo colectivo de trabalho, acordo de empresa, etc.) e do próprio contrato. Só um “iluminado” para perceber, com toda a certeza, o regime aplicável a um trabalhador em concreto. Mas mais do que créditos laborais há que remexer no baú para procurar uma outra legislação “esquecida”, a Lei dos Acidentes de Trabalho.

Neste domínio, Portugal é exemplo. Temos hoje, desde 2009, uma legislação bastante garantística dos direitos do trabalhador — a par só da Finlândia e da Alemanha. O legislador português preparou um figurino de fino corte, um esquema de garantia dos direitos do trabalhador que passa pelo seguro obrigatório. Impõe a lei ao empregador a celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho por cada trabalhador (número da apólice publicitado no recibo de vencimento). Com este sistema, o Estado português “despiu” a sua responsabilidade pela reparação do dano causado num acidente que assim, por força do contrato de seguro obrigatório, passa a ser um problema da esfera privada das seguradoras que, salvo excepções, responderão sempre pela reparação do dano em nome do empregador.

Diga-se, a talhe de foice, que não obstante o contrato de seguro, a seguradora pode fugir com o seu figurativo “traseiro” à seringa da reparação logo que haja incumprimento, pela entidade patronal, de regras de segurança cujo cumprimento teria evitado a consumação do acidente; situações em que haja claro nexo causal entre a conduta do empregador e o acidente de trabalho; e, claro, quando o contrato de seguro não absorve o risco do acidente por falha na comunicação da função do trabalhador e/ou do seu verdadeiro local de trabalho. Nestes caos, a reparação do acidente não é garantida pelos bolsos (bastante fundos, diga-se) da seguradora, mas pela entidade patronal.

O entendimento de acidente de trabalho tem evoluído ao longo dos tempos, a par, aliás, da própria forma de prestar trabalho. Hoje, entende o legislador que o trabalhador, grosso modo, entra na disposição do empregador logo que sai para o trabalho e, depois de prestar as suas funções, finda a jornada de trabalho, só quando chega a casa. Nestes períodos, o risco da ocorrência de qualquer acidente de trabalho corre por conta do empregador.

Estes são os chamados acidentes de trabalho in itinere, ou seja, em trajecto (acidente de carro, atropelamento, queda de balão de ar ou da trotineta). Consideram-se acidentes in itinere os ocorridos nos trajectos normalmente utilizados nesta deslocação e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador, embora a lei não exija que o trabalhador tenha que percorrer sempre o mesmo trajecto, reconhecendo desvios causados por motivos atendíveis e de força maior (pense-se nos casos em que há acidentes de viação, obras no percurso ou aquele aperto na bexiga). Mais do que a deslocação para casa e de casa para o trabalho, há ainda que ter em conta as deslocações no âmbito dos períodos de refeição – e para a refeição, não contando aquele visita a amigos especiais, ainda que tenha “fins alimentícios”.

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