Bielorrússia: “Não vamos permitir que outra cortina de ferro desça sobre o continente europeu”

Relatora especial denuncia “situação catastrófica” na Bielorrússia, enquanto ONU aprovou resolução sobre monitorização dos direitos humanos no país. Maxim Znak, dirigente da oposição detido, entrou em greve de fome e Lukashenko pôs Exército em “alerta máximo”.

russia,bielorrussia,europa,parlamento-europeu,nacoes-unidas,onu,
Fotogaleria
Aleksander Lukashenko recebeu o ministro da Defesa Russo, Sergei Shoigu, na quarta-feira, em Minsk LUSA/MAXIM GUCHEK / BELTA POOL
russia,bielorrussia,europa,parlamento-europeu,nacoes-unidas,onu,
Fotogaleria
Exercícios militares conjuntos entre a Rússia e a Bielorrússia, em Brest VAYAR / HANDOUT/EPA

A relatora especial das Nações Unidas para a Bielorrússia, Anaïs Marin, pediu a libertação imediata de todos os presos políticos na Bielorrússia, cenário de manifestações contra o Presidente Aleksander Lukashenko há seis semanas consecutivas, que têm sido reprimidas pelo regime com violência, e alertou para a possibilidade de uma nova cortina de ferro na Europa.

 “Não vamos permitir que outra cortina de ferro desça sobre o continente europeu”, afirmou Marin, numa reunião de emergência realizada esta sexta-feira, em Genebra, para discutir a situação na Bielorrússia, numa referência ao célebre discurso de Winston Churchill, em Fulton, no Missouri, em 1946, anunciando a divisão entre a União Soviética e a Europa Ocidental, antevendo o início da Guerra Fria.

Durante o seu discurso, que, segundo a Reuters foi interrompido várias vezes por diplomatas da Rússia, Bielorrússia, China e Venezuela, Anaïs Marin denunciou uma situação “catastrófica” em Minsk, referindo que mais de dez mil pessoas foram “abusivamente detidas” desde o início da contestação às eleições presidenciais, consideradas fraudulentas pela oposição, União Europeia (UE) e Estados Unidos, e que milhares foram espancadas pela polícia e mais de 500 foram torturadas pelas autoridades, existindo relatos de violência sexual. O embaixador bielorrusso, Yury Ambrazevich, negou as acusações. 

Na reunião de emergência, solicitada pela Alemanha em representação da UE, discursou ainda, por videoconferência, Svetlana Tikhanouskaia, líder da oposição exilada na Lituânia, que defendeu uma “solução pacífica” para a crise na Bielorrússia e exigiu o “fim imediato da violência contra manifestantes pacíficos e libertação de todos os presos políticos”.

Esta sexta-feira, o advogado Maxim Znak, um dos dirigentes do Conselho de Coordenação, um órgão criado pela oposição que pretende uma transição pacífica de poder, detido há mais de uma semana, anunciou que vai entrar em greve de fome, em protesto contra a acusação de tentar tomar o poder ilegalmente de que é alvo. Já Maria Kolesnikova, uma líder proeminente da oposição no país, detida após uma tentativa de deportação forçada para a Ucrânia, soube que vai a julgamento no próximo dia 8 de Novembro e que até lá vai continuar detida, acusada de pôr em causa a segurança nacional. 

No final da reunião extraordinária, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aceitou um pedido da UE para que a Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, monitorize a situação na Bielorrússia e apresente um relatório sobre violação de direitos humanos no país, apesar do voto contra da Rússia. O Governo bielorrusso considera que a resolução é uma interferência nos assuntos internos da Bielorrússia que abre um “precendente perigoso”,  e prometeu retaliar contra a UE. 

Exército em “alerta máximo”

Na quinta-feira, Lukashenko voltou a insistir na tese da tentativa de interferência do Ocidente e por isso decidiu pôr o Exército “em alerta máximo”. Anunciou ainda que a Bielorrússia vai fechar as fronteiras com a Polónia e a Lituânia, os Estados-membros da UE que têm exigido uma resposta mais dura de Bruxelas, e que a fronteira com a Ucrânia vai ser fortalecida.

Varsóvia e Vilnius, no entanto, negaram esta sexta-feira que as suas fronteiras com a Bielorrússia tenham sido encerradas. “Encaramos isto como mais uma campanha de propaganda, um jogo psicológico para criar a sensação de ameaça externa”, disse à Reuters o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Pawel Jablonski. No mesmo sentido, as autoridades lituanas reiteraram que a situação na fronteira está normal.

Enquanto continua a insistir na tese da tentativa de interferência do Ocidente, Lukashenko recebeu a garantia após um encontro com Vladimir Putin na passada segunda-feira, em Sochi, de um empréstimo financeiro no valor de 1,5 mil milhões de euros por parte da Rússia. Além disso, os dois países acordaram a realização de exercícios militares na Bielorrússia, que começaram esta semana. Segundo o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, estão envolvidos mais de 800 militares dos dois países. 

Sanções decididas segunda-feira

Para a próxima segunda-feira está marcado um encontro entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, uma reunião aguardada com expectativa pela oposição bielorrussa, que tem exigido uma resposta mais assertiva de Bruxelas, mais de um mês depois de os 27 Estados-membros terem anunciado a intenção de impor sanções às figuras do regime responsáveis pela violência e pela manipulação dos resultados eleitorais.

Nas últimas semanas, tem sido noticiado que a UE prepara uma lista de entre 30 a 40 figuras do regime – que não deve incluir Lukashenko – a quem serão impostas sanções, que devem passar pelo congelamento de bens e pela restrição de viagens. No entanto, as negociações que pareciam consensuais têm enfrentado alguma resistência nos últimos dias, sobretudo por parte de Chipre, que ameaçou bloquear as sanções (que exigem unanimidade) contra Minsk, exigindo que os restantes Estados-membros também imponham sanções a Ancara em resposta ao conflito com a Turquia no Mediterrâneo

Enquanto permanece o impasse em torno da resposta de Bruxelas ao regime bielorrusso, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução com 574 votos a favor, 37 contra e 82 abstenções, a afirmar que Lukashenko deixará de ser reconhecido como Presidente a partir de Novembro, quando o mandato termina. Os eurodeputados insistiram também na aplicação de sanções.

Sugerir correcção