Director do CDC irrita Trump ao aconselhar uso de máscaras e mais calma com a vacina
O Presidente dos EUA repreendeu em público o director do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças. Segundo Robert Redfield, a generalidade da população só terá acesso a uma vacina contra a covid-19 na segunda metade de 2021.
O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a contradizer as recomendações dos cientistas do seu próprio Governo, ao desvalorizar a importância do uso de máscaras no combate à pandemia de covid-19 e ao prometer a distribuição de uma vacina por toda a população até ao fim do ano.
A novidade na conferência de imprensa diária na Casa Branca, na noite de quarta-feira, foi a forma como Donald Trump repreendeu o principal responsável pela protecção da saúde pública no país, Robert Redfield, numa altura em que a pandemia já matou mais de 200 mil pessoas nos Estados Unidos.
Redfield, um respeitado virologista com trabalho reconhecido na primeira década do combate ao HIV, e nomeado por Trump, em 2018, para liderar o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), acabara de dizer, numa audição no Senado, que a vacina contra a covid-19 só terá um papel decisivo no terceiro trimetre de 2021 – mais de meio ano depois das eleições presidenciais de 3 de Novembro.
“Acho que ele cometeu erro, essa informação é incorrecta”, disse o Presidente dos Estados Unidos na sua conferência de imprensa na Casa Branca, horas mais tarde.
“Eu telefonei-lhe e perguntei-lhe o que é que ele queria dizer com aquilo. Acho que cometeu um erro”, afirmou Trump, na mais incisiva repreensão pública de que há registo de um Presidente norte-americano a um director do CDC.
Questionado pela jornalista da CNN Kaitlan Collins sobre a reacção de Robert Redfield ao telefonema, Donald Trump disse ter ficado “com a impressão” de que o cientista “não percebeu que disse o que terá dito” – salientando que ainda não tinha ouvido as declarações do director do CDC da sua própria boca.
"Quantidade muito limitada"
Numa audição no Senado, na tarde de quarta-feira, perante a comissão responsável pelo Orçamento do país, Robert Redfield mostrou-se confiante no sucesso das vacinas contra a covid-19, mas voltou a dizer – à imagem do que tem sido sublinhado por outros cientistas e investigadores em todo o mundo – que a generalidade da população só terá acesso a ela na segunda metade de 2021.
“Acho que vamos ter uma vacina disponível, numa fase inicial, entre Novembro e Dezembro, mas numa quantidade muito limitada e destinada a grupos prioritários. Se me perguntar quando é que a vacina estará disponível para a generalidade da população dos Estados Unidos, para que possamos tirar partido dessa vacina e começarmos a voltar às nossas vidas normais, diria que estamos a apontar para finais do segundo trimestre ou terceiro trimestre de 2021”, disse o director do CDC.
Não é a primeira vez que o Presidente dos Estados Unidos contradiz um especialista como Robert Redfield – é conhecida a sua difícil relação com o imunologista Anthony Fauci, director do Instituto de Alergia e Doenças Infecciosas do país e um dos responsáveis da equipa da Casa Branca no combate à pandemia. E nem é a primeira vez que Trump repreende o próprio Redifield – em Abril, o cientista foi criticado por ter alertado para os perigos da confluência do novo coronavírus e do comum vírus da gripe no Outono.
Máscara é “a melhor defesa"
Mas, na conferência de imprensa de quarta-feira, o Presidente dos Estados Unidos foi mais longe e repreendeu o director do CDC em tons invulgarmente duros, por declarações que são vistas pela generalidade da comunidade científica como sendo pacíficas – a morosidade dos testes e da chegada de uma vacina às populações, e a importância do uso de máscaras enquanto esse momento não chega.
“Temos claras provas científicas de que [as máscaras] funcionam e que elas são a nossa melhor defesa”, disse Robert Redfield na quarta-feira.
“Eu até diria que a máscara me garante uma maior protecção contra a covid do que uma vacina, porque a imunização pode ser de 70%, e se o meu sistema imunitário não responder, a vacina não me vai proteger. Mas a máscara protege-me.”
Na mesma conferência de imprensa em que repreendeu o director do CDC por dar cerca de um ano para que a vacina contra a covid esteja disponível em grandes quantidades, Donald Trump reagiu às declarações de Robert Redfield sobre o uso de máscaras dizendo que o cientista não terá percebido a pergunta.
“Acho que se lhe perguntarem isso outra vez, ele provavelmente dirá que não compreendeu a pergunta”, disse Trump. “Quando lhe telefonei, perguntei-lhe sobre as máscaras e ele disse-me que achava que tinha respondido à pergunta de forma incorrecta. Talvez tenha compreendido mal a pergunta.”
Na noite de quarta-feira, o director do CDC emitiu um comunicado em que reafirma as suas principais declarações sobre o uso de máscaras e sobre a vacina contra a covid-19, sem se referir aos prazos que sugeriu na audição no Senado.
“Acredito 100% na importância das vacinas e na importância, em particular, de uma vacina contra a covid-19. A vacina da covid-19 é o que vai permitir que os americanos regressem às suas vidas normais. A melhor defesa que temos actualmente contra este vírus são os importantes esforços de mitigação como o uso de máscara, a lavagem das mãos, o distanciamento social e o cuidado com as multidões”, disse Robert Redifield.
Corrida até às eleições
Os críticos do Presidente Trump, incluindo o seu adversário do Partido Democrata nas eleições presidenciais de 3 de Novembro, Joe Biden, acusam-no de estar a pressionar as autoridades de saúde a disponibilizarem uma vacina que pode ser insegura e pouco eficaz, com o objectivo de ganhar apoio ainda antes das eleições.
No domingo passado, Donald Trump fez um comício no estado do Nevada, num recinto fechado, com a participação de milhares de apoiantes que não foram obrigados a usar máscara nem a manterem algum distanciamento entre si. O estado do Nevada tem em vigor a proibição de ajuntamentos com 50 ou mais pessoas.
Em Abril, o Presidente dos Estados Unidos publicou na rede social Twitter uma série de mensagens de incentivo à “libertação” de estados onde os governadores são do Partido Democrata, como o Michigan, o Minnesota e a Virginia, animando os seus apoiantes que exigiam – em alguns casos armados – o fim dos períodos de confinamento por causa da pandemia.