“Jihad atentado 3” nada tem a ver com “guerra santa”, diz suspeito de terrorismo
Rómulo Costa diz que o cartaz encontrado no seu computador com palavra Jihad significa desenvolvimento pessoal e que atentado 3 não tem a ver com guerra santa. E pediu desculpa por ter dito a frase “caiu e hão-de cair mais” quando comentou, num telefonema com um dos seus irmãos, o homicídio de um soldado britânico, em Londres, reclamado por terroristas.
Dois dos oito suspeitos de pertencerem à organização terrorista Estado Islâmico (EI), acusados de unirem esforços, recrutarem e financiarem de modo próprio o Daesh, apoiando a ida de cidadãos portugueses e britânicos para a Síria para combaterem ao lado de jihadistas, começaram esta terça-feira, a ser julgados no Tribunal Criminal de Lisboa.
Na sala, que se revelou demasiado pequena para permitir que todos os jornalistas pudessem assistir, estavam apenas Cassimo Turé, que apesar de viver no Reino Unido se deslocou a Portugal para o julgamento, e Rómulo Costa, que se encontra, desde Junho de 2019, preso em Monsanto, uma vez que o juiz determinou a separação dos processos relativamente aos outros seis arguidos, porque não se sabe do seu paradeiro e não há provas de que estejam mortos.
Cassimo Turé, na última sessão, tinha dito que ia prestar declarações mas acabou por recuar e só o fará no fim do julgamento. Por isso a primeira sessão foi dedicada a Rómulo Costa que disse querer prestar declarações para esclarecer o tribunal e provar que nada tem a ver com os crimes de que vem acusado.
Rómulo Costa é suspeito de ter ajudado dois dos irmãos, Edgar e Celso Costa, também arguidos, mas em parte incerta, a chegarem à Turquia para posteriormente se juntarem ao EI. Segundo a acusação, terá sido ele a fornecer os documentos necessários, o passaporte, para um dos irmãos viajar para a Síria — e mais tarde terá tentado ajudá-los a tirar as famílias do território do grupo terrorista.
Alega que as suas conversas com os irmãos, apanhadas nas escutas e com as quais foi sendo confrontado pelo juiz, foram tiradas do contexto e apresenta justificações para os documentos apreendidos durante as buscas judiciais que não parecem convencer o tribunal. Sobre os documentos encontrados numa pen, Rómulo Costa disse que eram para fins académicos. Alega que estava a fazer uma tese sobre várias formas de fraude e também sobre contra-terrorismo. Na pen também existiam letras de músicas onde se fazia referência a actos de violência e surge a palavra “porcos” em vários contextos.
O juiz quis perceber as convicções do arguido e perguntou qual o significado que atribuía a esta palavra: “porcos”. “Os porcos era um termo que usava para descrever pessoas que violam os direitos humanos em qualquer parte do mundo”, disse o arguido, que justificou a frase de uma das músicas — “mas foi ontem que os porcos aprenderam com o regime talibã” — como sendo uma metáfora.
Já quanto a um dos cartazes que ia servir de capa para um CD de música, em que estava escrito a frase “jihad atentado 3”, Rómulo Costa diz que Jihad significa desenvolvimento pessoal e que atentado 3 representa as dificuldades da vida. “E não tem a ver com guerra santa”, disse em resposta ao juiz, que também quis perceber o que é que Rómulo Costa quis dizer com a frase “caiu e hão-de cair mais”, quando comentou, no dia 24 de Maio de 2013, com o irmão Edgar Costa, também arguido, mas desaparecido, o homicídio de um militar britânico, perto de Londres, e que foi reivindicado por uma organização terrorista.
O arguido começou por pedir desculpa ao juiz e ao tribunal alegando que aquele comentário “foi imaturo e irresponsável” e disse que hoje sabe que não o devia ter feito. O juiz perguntou: “Imaturo? Mas que idade é que você tinha em 2013?” O arguido tem actualmente 41 anos.
Rómulo negou que quisesse com aquela frase dizer que deviam morrer mais soldados. Alega que só disse aquilo motivado pelo facto de ter ouvido nas notícias que aquele soldado e outros tinham estado envolvidos em crimes de violação.
Ao longo da sessão o juiz foi confrontando o alegado jihadista português com escutas, realizadas em 2013, de telefonemas com os seus irmãos, uma vez que este negou ter alguma vez prestado apoio, moral ou logístico, a qualquer grupo terrorista ligado ao EI, sublinhando que até nem comunicava muito com os seus familiares.
Numa das escutas um dos irmãos diz que que participou numa batalha e descreve um confronto de 40 contra 500. Rómulo diz que pensou que não era real. Mas o juiz recordou-lhe que na conversa Rómulo diz ao irmão que para combater de noite há equipamento de visão nocturna.
O arguido disse também que só soube que o seu irmão teria usado o seu passaporte para viajar par a Turquia e depois para a Síria, quando foi confrontado pelos serviços secretos britânicos que queriam saber do paradeiro dos seus irmãos. Referiu que entre 2014 e 2018 teve vários encontros com as autoridades britânicas que o questionavam sobre a actividade dos irmãos e que lhe mostraram fotos dos restantes sete arguidos. Assume que o irmão tenha usado o seu passaporte, mas nega que tenha sido ele a fornecer o documento. Não sabe quando o usou, nem quando tomou posse dele.
Alega que o passaporte foi feito em 2009, numa das suas deslocações a Portugal, para tratar de outros documentos, e que depois quando viajou para o Reino Unido se esqueceu do mesmo na casa dos pais e que usou apenas o seu cartão de cidadão. Diz que ficou dez anos sem regressar a Portugal e que estava tranquilo porque o passaporte estava à guarda dos pais.
Rómulo Costa também não soube explicar como é que apareceram comentários seus numa página da rede social Facebook, gerida por Fábio Poças, outro dos oito arguidos desaparecido, que tinha como objectivo promover o EI. Alega que nunca falou com Fábio Poças e que nem o conhecia.
O arguido confirmou que tinha as alcunhas rei binas, romy, rominho, Romny Fansony e que trabalhava como freelancer, no Reino Unido, em várias áreas, nomeadamente, administração, educação, engenharia e artes, por exemplo, na produção de música. Na área da educação, por exemplo, era professor tutor no ensino secundário e universitário.
Deu a ideia de que tinha uma vida normal no Reino Unido e que nunca teve intenções de viajar para a Turquia, Tanzânia ou Síria e que por isso não entende porque é que, numa das escutas, Fábio Poças pergunta a um dos seus irmãos quando é que o “Bina”, alcunha do arguido, vem. Rómulo Costa defendeu-se sempre alegando que não pode justificar as escutas de telefonemas dos seus irmãos com terceiros porque deles não participou.
O seu advogado Lopes Guerreiro pediu ao juiz que autorizasse que as escutas fossem reproduzidas em tribunal, uma vez que estas foram feitas em 2013 e que é difícil ao seu arguido ajudar a contextualizá-las. O juiz autorizou e durante a tarde as escutas foram reproduzidas.