Presidente do Novo Banco admite “pequenas desconformidades”, mas garante que vendas “foram ao preço do mercado”
O Presidente do Novo Banco, António Ramalho, fala, em entrevista à TSF, sobre a venda de activos, a possibilidade de nova injecção no banco, o projecto Viriato e os últimos beneficiários da operação, cujos dados dará ao Governo.
O Presidente do Novo Banco, António Ramalho, admitiu em entrevista ao programa A Vida do Dinheiro da TSF a existência de “pequenas desconformidades” no seu mandato enquanto presidente executivo do banco. Começando por destacar uma particular importância da auditoria da Deloitte, uma vez que “o seu objecto foi definido pelo Parlamento” e porque “era o último auditor” que faltava, António Ramalho afirma que esta auditoria “configura um resultado muito claro” — “o de um conjunto de reestruturações progressivas feitas para deferir prejuízos, e para, de alguma maneira, reestruturando sucessivamente, levar a que esses prejuízos não se verificassem no período até 2014”.
O Presidente do Novo Banco sublinha que “não é preciso ler as 371 páginas da auditoria”, nem a parte confidencial “à qual só os deputados têm acesso” para “perceber exactamente o que se passou”: “A auditoria tem findings fundamentais, a maior parte deles, naturalmente, verificam-se até 2014, mas alguns, até interessantes, podem ser discutidos agora. Mas, sobretudo, estes findings são verificações de pequenas desconformidades, nomeadamente desconformidades acessórias e operacionais também se verificam, naturalmente, como era de esperar, em todos os mandatos. No mandato até 2014, no mandato dos meus antecessores — os dois outros presidentes que a instituição já teve — e também no meu mandato”, afirmou.
Questionado sobre se admite falhas no seu mandato no que diz respeito à concessão de crédito, António Ramalho nega: “O que se verifica, basicamente é que nós temos 140 findings, para ter uma ideia, e esses 140 findings representam 4% da totalidade, com este carácter acessório. E todos eles têm justificações várias”. O gestor destaca que “o finding que abarca 36 casos diz respeito a alguma desconformidade” das “regras internas de acompanhamento de clientes em situação difícil”, que estipulam que “estes clientes sejam seguidos de seis em seis meses”. “O que se verifica é que, em 36 casos, não há evidência que estes gabinetes tenham seguido estes casos. Porquê? Porque são casos que são seguidos pelo Comité de Imparidades, são seguidos pelo Conselho de Administração, e, portanto, sendo seguidos por outros órgãos, nós acabamos por não os seguir pelo órgão que regulamentarmente deveria segui-los. É um assunto que iremos, com certeza, resolver com uma mudança de regulamento”, garante.
“Só há um destes 36 casos que tem dinheiro fresco. São 7,1 milhões, que foram concedidos adicionalmente a um devedor que tinha uma responsabilidade grande, exactamente para assegurar que ele tinha mais capacidade de recuperação. E essa recuperação até se veio a verificar”, afirma António Ramalho, admitindo, no entanto, que “há uma desconformidade com o regulamento, porque o regulamento interno não deveria permitir este tipo de situações”.
Processão estão a ser identificados
O Presidente do Novo Banco destaca que os processos mencionados na auditoria já estão a ser identificados e que há “um grupo a trabalhar acerrimamente nisso, que irá mudar os regulamentos ou processos”.
António Ramalho revela ainda que a Deloitte refere que, de Outubro de 2017 até ao final de 2018, “dois terços das concessões ou alterações de crédito foram feitas sem avaliação das garantias desses empréstimos”. “Estamos a falar de sete casos”, diz, assegurando não tratar-se de “colaterais imobiliários, porque esses são sempre avaliados”. “Quase todos dizem respeito a uma única operação, que teve um processo de reestruturação complexo, que acabou pela venda dessa operação, em sindicato com outros cinco ou seis bancos. Uma estrutura empresarial estrangeira alemã”, diz, enumerando “casos até mais caricatos” como o “de reforçar garantias com o colateral do passe de um jogador de futebol”.
Quanto aos créditos a construtoras, que levaram a perdas de 271 milhões de euros no final de 2018, o Presidente do Novo Banco justifica que “quase todos esses valores da construção dizem respeito a operações prévias a 2014”. Sublinhando que “o antecessor do Novo Banco tinha uma enorme exposição a grandes empresas de construção civil”, António Ramalho destaca que “houve inúmeras reestruturações destes créditos” e “casos de muito sucesso”.
"Não temos que avisar o Fundo de Resolução"
Quanto à venda de imóveis sem desconto e sem que o banco explicasse a razão do preço da venda, o gestor explica que “o que a auditoria diz é que há dois activos que continuam na posse do banco, nos quais foram feitas reavaliações específicas, com descidas significativas — uma de 40 outras de 50 milhões — e que o banco não tem um sistema de back testing, que no fundo significa que o banco não tinha um modelo pelo qual favorecia a reavaliação do modelo dos próprios avaliadores”. “Nós já o introduzimos, hoje em dia temos um controlo maior sobre os nossos avaliadores — porque todas estas avaliações são feitas por dois peritos independentes — e, portanto, mesmo a desvalorização foi feita por dois peritos independentes. O que a auditoria diz é que nós deveríamos ter tentado explicar melhor esta situação”, diz.
Em relação ao projecto Viriato, Ramalho explica que “houve uma divergência entre dois órgãos do banco na escolha do advisor [consultor]”: “enquanto o órgão de compliance [boas práticas] considerava que nós não devíamos escolher este advisor porque tinha como CEO em Portugal uma pessoa ligada ao ex-BES, a nossa área de imóveis considerava que era absolutamente fundamental tê-lo porque tinha uma qualidade sem paralelo para fazer operações na Península Ibérica e com sucesso”.
Questionado sobre a razão pela qual o Novo Banco demorou dois anos a informar o Fundo de Resolução sobre o negócio de imóveis no valor de 645 milhões de euros, o gestor explica que esta divergência interna, na opinião do banco, “não precisava de ser comunicada a ninguém”. “Nós não temos que avisar o Fundo de Resolução. Para mim é claro e direi as vezes que for necessário”, insiste. “Objectivamente, se o Fundo de Resolução gosta de saber as divergências que existem nos meus departamentos, naturalmente que eu terei todo o gosto de lhe focar este assunto para o futuro. Ainda assim, nós só avisámos o Fundo de Resolução porque houve uma denúncia anónima”, acrescenta, assegurando que “isto não tem qualquer influência na operação”.
António Ramalho considera ainda “inaceitável” que “pelo facto de alguém que nem sequer tinha sido acusado seja prejudicado na sua função profissional por razões meramente reputacionais”. “Como pode imaginar, a minha preocupação é vender os imóveis o melhor possível. Se é a Alantra que vende os imóveis o melhor possível é a Alantra que eu quero para meu consultor”, afirma.
Dados sobre beneficiários últimos serão dados ao Governo
Relativamente aos beneficiários últimos da compra de alguns activos, o gestor sublinha que “a Lone Star já veio dizer que não compra rigorosamente activos nenhuns do Novo Banco porque está proibido por contrato”. Ramalho afirma ainda saber “perfeitamente” quem gere a Anchorage, o fundo comprador dos imóveis do Projecto Viriato. “Há todo um conjunto que a minha direcção de compliance faz com profundidade na avaliação que nos permite conhecer o beneficiário último. Nós não dizemos quem é o beneficiário último se não aos próprios órgãos que devem conhecê-lo. O Fundo de Resolução conhece perfeitamente quem é o beneficiário último”, diz, garantindo que será fornecida “toda a informação ao ministro das Finanças”.
Sobre a PGR ter anunciado que as vendas foram, afinal, aprovadas sem oposição do Fundo de Resolução, António Ramalho explica que “a aprovação da operação é a aprovação da transacção”. “A qualidade da venda foi aprovada pelo Fundo de Resolução, que só perdeu 18 milhões na venda do Viriato. Também consta da auditoria”, diz. “Toda a gente diz 'foi vendida com um grande desconto’. Não! Foi vendido ao preço de mercado”, garante.
Por fim, sobre a possibilidade de o Novo Banco precisar de mais injecções de capital, o gestor diz não pôr “de parte nenhum cenário”. “É mais útil, nesta altura em que temos capacidade, financiar o Novo Banco para que ele fique bom e, no próximo ano, contar com o financiamento e a resposta do Novo Banco à sociedade. Foi isto que assinámos com a Comissão Europeia”, respondeu.