Desfasar horários? CGTP diz que é boa altura para voltar a discutir as 35 horas

O Governo quer que as empresas de Lisboa e Porto reorganizem os horários dos trabalhadores para evitar aglomerados no local de trabalho e nos transportes públicos. CGTP diz que esta é uma óptima altura para discutir as 35 horas de trabalho semanais.

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Isabel Camarinha, líder da CGTP, espera ser ouvida pelo Governo e já leva sugestões Daniel Rocha

Beber uma cerveja num jardim ou jantar com mais de dez pessoas passará a ser proibido a partir da próxima terça-feira, semana em que arranca também o novo ano lectivo, com o regresso das aulas presenciais. As alterações foram anunciadas pelo primeiro-ministro, que voltou a ser a cara das novidades acordadas pelos ministros no Palácio da Ajuda no momento em que o país dá um passo atrás no desconfinamento. Os sindicatos aproveitam para recordar a luta pelas 35 horas semanais.

A chegada de novas restrições a partir de 15 de Setembro já tinha sido anunciada no final de Agosto pela ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, que à data justificou que a “mudança de rotinas”, a “chegada do Outono” e “o contexto internacional” obrigavam a uma acção preventiva por parte do executivo de António Costa.

O pacote de medidas anunciado no final do Conselho de Ministros traz regras mais apertadas para as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto que, pela sua densidade populacional, representam um maior risco de contágio. A prioridade do Governo será reduzir os aglomerados no trabalho e nos transportes públicos, pelo que além do prolongamento das regras do teletrabalho já em vigor, as empresas localizadas em Lisboa e no Porto serão obrigadas a adoptar medidas mais apertadas, com os trabalhadores distribuídos rotativamente entre o regime de teletrabalho e o trabalho prestado no local de trabalho habitual, e garantido o desfasamento de horários, não só na entrada e saída, mas também nas pausas e horários de refeições.

Apesar de o resto do país não ter medidas tão restritivas, o teletrabalho continua obrigatório sempre que requerido por um trabalhador doente crónico, imunodeprimido ou portador de deficiência e caso os espaços físicos não permitam o cumprimento das normas de segurança desde que as funções possam ser desempenhadas à distância.

Sindicatos não sabem quando são ouvidos

De acordo com o primeiro-ministro, o diploma ainda irá ser discutido com os parceiros sociais, mas do lado dos sindicatos e representantes empresariais ainda não foi recebido nenhum contacto por parte do Governo. E se a União Geral de Trabalhadores (UGT) não antecipa dificuldades na aplicação das medidas, apesar de haver apenas quatro dias para as pôr em prática, o mesmo não pensa a líder da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses nem o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). João Vieira Lopes considera a intenção do Governo uma “mera performance”, uma vez que as alterações arrancam já no início da próxima semana.

“Como recomendações são uma coisa, como regras são outras”, distingue João Vieira Lopes, exemplificando que uma pequena empresa, “com quatro ou cinco empregados”, terá maior dificuldade em reduzir os seus horários de funcionamento ou “capacidade para fazer desfasamento”. Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da CCP lembra que o tecido empresarial português é esmagadoramente dominado por empresas com menos dez trabalhadores, pelo que ainda que reconheça a “boa intenção” da medida, sublinha que “é muito difícil estabelecer regras” no sector comercial. “A linha geral de pensamento tem sentido, mas não vemos como se podem fazer regras tendo em conta a diversidade dos sectores”, considera.

Já o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, não está surpreendido com as novidades e elogia “o clima de prudência” do Governo. Ainda assim, nota que, se o executivo quer a opinião dos parceiros, terá de os ouvir rapidamente. Carlos Silva sublinha que as empresas têm vindo a aplicar algumas das alterações à medida que o desconfinamento foi avançando e por isso não antecipa grandes dificuldades.

Ainda assim, o sindicalista pede “um diálogo urgente com os patrões, grandes empresários e organizações sindicais” para que as mudanças possam acontecer “com o respeito da contratação colectiva”. “O Presidente da República e o Governo não decretaram a suspensão da democracia”, nota, insistindo no “respeito pelos direitos das pessoas”.

“Se houver necessidade de alterar horários de trabalho deve ser feita com consulta aos trabalhadores”, defende. “Do lado da UGT, há total disponibilidade”, mas deverão “ser respeitados os direitos dos trabalhadores”. “De uma forma geral as empresas acautelaram as recomendações dadas”, afirma.

Questionado sobre o facto de a fiscalização ser feita pelas próprias empresas e pela Autoridade para as Condições do Trabalho, Carlos Silva dá um voto de confiança. “Confio no bom senso da generalidade dos empresários e nos trabalhadores. É evidente que há sempre abusos e eles devem ser denunciados pelos próprios trabalhadores”, diz. “Terão de ser feitos alguns sacrifícios, que vão doer a algumas empresas, mas subscrevo de forma geral a posição cautelosa do executivo”, conclui.

Também Isabel Camarinha, líder da CGTP, defende que as medidas “têm que ser tratadas com negociação em cada local de trabalho e com cada representante” dos trabalhadores. “Existem direitos, contratos colectivos e uma organização de horários que têm de ser respeitados”, vinca, em declarações ao PÚBLICO. Além disso, e tal como a UGT, a CGTP sublinha que os trabalhadores têm de ter o direito a conciliar a vida profissional e familiar e ter horário regulado.

“Estas questões têm de ser negociadas. Não se pode pressionar os trabalhadores para aceitarem qualquer coisa. A protecção de saúde é muito importante, mas não pode ser a qualquer preço, tem de ser com revindicação.” A secretária-geral sugere que a redução do horário de trabalho para as 35 horas poderá ser uma forma de alterar os horários dos trabalhadores sem os prejudicar”.

Governo quer “só aulas presencias”

Nesta quinta-feira ficou também confirmado que depois de três meses de ensino à distância, o próximo ano lectivo voltará a ter aulas presenciais. O primeiro-ministro avisa que terá de ser feito um grande esforço “para que o ano lectivo possa decorrer tanto quanto possível só com ensino presencial”, mas a prioridade será sempre manter os alunos na escola, de forma a acautelar não só o apoio curricular, mas também os apoios sociais prestados aos alunos.

Não obstante, o Governo irá manter os programas de ensino à distância já conhecidos, como o Estudo em Casa, transmitido na RTP Memória durante o 3.º período do ano lectivo, como “rede de segurança”.

António Costa garantiu que a comunidade escolar foi “atempadamente” avisada de todas as regras de segurança e saúde desenhadas pela Direcção-Geral da Saúde, bem como quais “as medidas de contingência que devem ser aplicadas quando foram detectados casos ou quando haja um surto”.

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