Diminuição de lontras e alterações climáticas põem recifes em risco

A combinação entre a perda de lontras e as alterações climáticas pode ser fatal nas ilhas Aleutas, no Alasca, onde cientistas já detectaram uma diminuição nos recifes entre 2014 e 2017.

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Lontra-marinha, um predador-chave nas florestas submarinas das ilhas Aleutas J. Tomoleoni

Em tempos, nas florestas submarinas das ilhas Aleutas, os recifes estiveram bem protegidos. Aí, algas-vermelhas permitiam que esses recifes tivessem um esqueleto de calcário que lhes dava protecção. Devido às alterações climáticas, o aquecimento do oceano tem vindo a reduzir a resistência dessas algas. Já a diminuição de lontras nessas águas faz com que a população de ouriços-do-mar suba. Ao aumentar, comem mais algas e levam ao seu declínio, o que também coloca em causa os recifes. Esta história de “desflorestação” e “desprotecção” é contada na última edição da revista científica Science, onde se mostra que a combinação entre a diminuição de lontras e as alterações climáticas estão a pôr em causa os recifes.

Situadas no prolongamento do Alasca para Sudoeste, o arquipélago das Aleutas tem a norte o mar de Bering e a sul o oceano Pacífico. Nos mares das Aleutas há florestas submarinas com recifes designados “calcificados” (não são recifes de coral, embora também estes seja feitos de calcário​), pois são feitos de calcário produzido por uma alga-vermelha da espécie Clathromorphum nereostratum. O seu esqueleto de calcário consegue mesmo proteger os recifes de predadores herbívoros. Foram esses recifes que a equipa internacional de cientistas que publicou o trabalho na Science decidiu estudar. 

Contudo, como já se vem sabendo, a protecção desses recifes tem sofrido ameaças. Primeiro, o aquecimento e acidificação estão a enfraquecer o esqueleto de calcário produzido pela alga. Depois, as lontras-marinhas (Enhydra lutris) têm vindo a desaparecer do Sudoeste do Alasca, porque foram sendo caçadas ora por orcas ora por humanos. Ao comerem os ouriços-do-mar (da espécie Strongylocentrotus polyacanthus), as lontras mantinham essas populações de invertebrados controladas. Com cada vez menos lontras nos mares das Aleutas, as populações de ouriços têm crescido muito. Consequentemente, como se alimentam de algas, o consumo de algas tem sido maior e acelerado o processo de desflorestação no mar das Aleutas. Ao devorarem a matéria-prima (e protecção) dos recifes, os ouriços acabam assim por levar à sua rápida erosão.

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Recifes estão ameaçados com o aumento de ouriços-do-mar nas florestas submarinas das Aleutas J. Tomoleoni/USGS

O aumento de ouriços não é algo apenas dos dias de hoje. Durante os séculos XVIII e XIX, quando as lontras-marinhas foram caçadas quase até à extinção devido ao comércio de peles e houve uma explosão da população de ouriços-do-mar. “A situação mudou drasticamente desde então. A nossa investigação mostra que o consumo dos ouriços-do-mar se tornou muito mais letal nos anos mais recentes devido aos efeitos das alterações climáticas”, assinala Douglas Rasher, cientista do Laboratório Bigelow para as Ciências Oceânicas, nos Estados Unidos e primeiro autor do trabalho, num comunicado da sua instituição.

A equipa de Douglas Rasher quis saber qual o impacto actual dos ouriços-do-mar nos recifes. Para isso, fez-se um levantamento desse impacto ao longo de mais de 700 quilómetros de seis ilhas do arquipélago entre 2014 e 2017. Nesse período, a área bidimensional dos recifes vivos diminuiu, em média, 24% em cada sítio estudado. Em certos recifes, essa perda chegou aos 64%.

Também se realizaram experiências em laboratório. Começou então por se reconstituir a frequência com que os ouriços-marinhos se alimentavam excessivamente das algas. Ao fortificarem o esqueleto de calcário dos recifes, as algas criam faixas de crescimento anuais, tal como os anéis de uma árvore. Assim, consegue ver-se o que aconteceu em cada ano. Verificou-se assim que, ao longo do tempo, houve mais (ou menos) fenómenos de consumo excessivo dos ouriços, mas que o recife conseguiu ir recuperando. Devido à diminuição das lontras e à subida da temperatura das algas, também se viu que esse consumo excessivo tem sido cada vez mais frequente, o que a equipa considera “alarmante”.

Como recuperar?

Depois, ainda em laboratório, analisou-se o impacto dos ouriços nas algas Clathromorphum nereostratum em ambientes controlados que representavam as condições no mar das Aleutas nos tempos pré-industriais, as actuais e as que se esperam no final do século. Concluiu-se que, com as condições actuais, o consumo dos ouriços-do-mar será entre 35% e 60% maior do que com as condições pré-industriais. Já com as condições futuras havia um aumento adicional entre 20% e 40%. No fundo, estas experiências confirmam que as alterações climáticas deram uma oportunidade para que os ouriços comessem mais algas – pois ficaram menos resistentes –, o que acaba por deixar os recifes menos protegidos. E prova-se como as lontras são determinantes neste ecossistema.

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Experiências em laboratório que simularam as condições no mar das Aleutas nos tempos pré-industriais, actuais e futuros D. Rasher

E haverá algo que ainda se possa fazer para minimizar a situação? Além da redução dos gases com efeito de estufa – que é um esforço global –, a equipa aconselha que se deverá trabalhar para se recuperar as populações de lontras-marinhas nas florestas de algas das Aleutas. “Se queremos salvar este ecossistema, temos de fazer com que populações de lontras-marinhas voltem”, apela Douglas Rasher. Afinal, neste estudo provou-se bem a importância das lontras nas Aleutas.

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