Câmara de Valongo cortou acesso de camiões ao aterro de Sobrado
Com nova postura de trânsito, a Recivalongo diz estar em causa o tratamento de resíduos sólidos e de cem mil litros de lixiviados diários. Câmara autoriza o transporte deste efluente, para impedir contaminação das águas em Sobrado.
O conflito entre a Câmara de Valongo e a empresa Recivalongo, que explora o aterro de resíduos não perigosos de Sobrado, agudizou-se nas últimas semanas, depois de a autarquia ter alterado a postura de trânsito numa via que dá acesso àquela infra-estrutura, proibindo a circulação de camiões. A Recivalongo tem estado a garantir aos clientes o pagamento de eventuais coimas durante o transporte de resíduos. A empresa alega ainda que está a ser posto em risco o transporte, para tratamento, das águas lixiviadas do aterro, mas o município assegura que, para este caso, abre uma excepção, se isso lhe for pedido.
“O Município de Valongo implementou uma nova sinalização de trânsito num troço da Estrada Municipal 606, entre o cruzamento dos cinco caminhos em Alfena e o Pavilhão Municipal de Sobrado, que vem condicionar a circulação na via de veículos pesados com mais de 3,5 toneladas, salvaguardando as excepções previstas para veículos de emergência, serviços públicos e viaturas autorizadas”, explicou ao PÚBLICO fonte da autarquia, acrescentando que a “medida visa a defesa do interesse público municipal, designadamente a protecção do ambiente e da qualidade de vida no concelho, e a salvaguarda da segurança das populações residentes e utilizadoras de equipamentos escolares e desportivos, designadamente da Vila de Sobrado”.
Várias queixas contra o município
A medida, que o gabinete de imprensa descreve como necessária para “a melhoria da mobilidade e acessibilidade, contribuindo para uma nova organização da circulação viária no concelho”, tem, para a Recivalongo, outra consequência. Com esta restrição, o executivo liderado por José Manuel Ribeiro secou o acesso de camiões ao aterro cujo funcionamento a autarquia vem contestando, há alguns anos, por várias formas, e com maior veemência desde 2018. E elevou a um novo patamar uma guerra que já levou a Recivalongo a apresentar várias queixas em tribunal, contra o socialista, nas quais pede que seja decretada a perda de mandato do autarca “por abuso de poder político, difamação e incumprimentos do Plano Director Municipal”, entre outros motivos.
Em vigor desde 24 de Agosto, a decisão de condicionamento do acesso ao aterro do Sobrado, através da colocação de sinais de trânsito, “tem fortes impactos na actividade do aterro, na economia da região e, sobretudo, a nível ambiental. Todos os dias têm de sair do aterro cem mil litros de água lixiviada para tratamento, que, como já explicámos em ocasiões anteriores, é feito fora das instalações, nas Águas do Norte, por incapacidade da ETAR de Campo, das Águas de Valongo. O não tratamento destas águas comporta sérios riscos de contaminação da Ribeira do Vilar, situação que não podemos tolerar e que urge resolver”, avisa a administração da Recivalongo.
Risco de contaminação das águas
Em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, a empresa explica que este transporte de lixiviados se tornou necessário por uma “ineficiência” já conhecida há 15 anos da ETAR mais próxima, pertencente ao município e concessionada à Águas de Valongo. E é este transporte, acusa, que “contribui para os odores pontuais dos quais a população de Sobrado genuinamente se queixa”. Mas a situação pode vir a piorar porque, adianta a Revivalongo, esta quarta-feira, a empresa responsável pelo transporte informou que pretende deixar de fazer a trasfega destes resíduos enquanto se mantiver esta postura de trânsito. Em resposta, o município garante no entanto que este é um falso problema pois, sendo apresentado um pedido – o que ainda não aconteceu, nota – esse transporte em específico entra no leque de excepções previstas na postura.
A empresa lembra que já tinha, em 2018, apresentado uma solução para os resíduos líquidos gerados pela decomposição do lixo: “uma osmose inversa de três fases que temos nas nossas instalações e trata os lixiviados até ao ponto de água destilada, através da melhor tecnologia disponível”. A questão é que, recordam, apesar de já estar instalada, ainda não obtiveram a autorização da Agência Portuguesa do Ambiente para a sua ligação. “Foi novamente solicitada autorização, requerimento que ainda se encontra em análise e aguarda resposta”, acrescenta.
A Recivalongo diz ter assumido na semana passada aos seus clientes que suportará, pelo menos temporariamente, o custo das eventuais multas que lhes venham a ser aplicadas. Por via disso, adianta, “uma grande parte dos veículos estão a realizar o transporte de resíduos, que recebem o adequado tratamento. Mas esta situação é incomportável”, assume, detalhando que tratam diariamente 500 toneladas de resíduos provenientes de hospitais e da indústria que, se deixados na fonte, “podem originar perigos ambientais e de segurança”.
Em Valongo como em Gaia
O município de Valongo está a utilizar, contra a Recivalongo, uma arma que a Câmara de Gaia usou no início deste século contra a Cimpor, para tentar inviabilizar o uso dos silos de armazenamento de cimento da estação das Devesas. Impedida de escoar, em camiões, o produto que ali chegava de comboio, a cimenteira interpôs um processo contra a Câmara de Gaia que chegou a ser condenada a pagar uma indemnização que, acrescida de juros, foi fixada em 30 milhões de euros. Entretanto, após um recurso para o supremo, a autarquia veio a pagar pouco mais de um décimo disso, por ter sido entendido que a empresa não fizera prova suficiente das receitas que deixa de auferir com aquela medida.